“Olhe bem, preste atenção / Nada na mão, nesta também / Nós temos mágicas para fazer / Assim é a vida, olhe pra ver…”
Domingo, 5 de agosto de 1973. Estreia do programa “Fantástico: O Show da Vida”. A canção da abertura, composição de Guto Graça Mello e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), é uma espécie de roteiro dos assuntos que serão abordados. Sonhos, emoções que agitam o mundo em frações de segundo, alegrias, sexo – sem ele o mundo não cresce, guerra – para matar e morrer, amor – que ensina a viver.
Desde lá, em variadas versões e interpretações, a melodia transformou-se num réquiem dos fins de semana. “Foguete no espaço / Rumo ao infinito / Provando que tudo não passa de um mito”. Na última estrofe, em tom de júbilo: “É fantástico, da idade da pedra / Ao homem de plástico / O show da vida”.
Ouça bem, preste atenção, há um ruído algo perturbador que parece ameaçar o show da vida. É o homem de plástico que, não sendo mito, vem bater à porta.
Faz algum tempo, tornaram-se comuns as imagens de lixo nos oceanos. Tão corriqueiras que parecem “naturais”. Obra icônica da literatura, Fernão Capelo Gaivota, também daquela época (1970), celebra a força do indivíduo e a alegria de encontrar caminhos existenciais. Atualmente, engasgada por um copo de plástico, a personagem do escritor Richard Bach possivelmente teria morrido antes de realizar seus voos e desafios.
Para além do que é visível, as aglomerações de microplásticos e nanoplásticos, no meio ambiente, vêm aumentando exponencialmente ao longo do último meio século. Mas, parecem insuficientes para preocupar o mundo. Agora, talvez, quando se avalia a exposição humana e suas consequências para a saúde, perturbe um pouco mais esse ser que se acha tão superior.
Um estudo, publicado na revista Nature Medicine em fevereiro de 2025, alerta para a “bioacumulação de microplásticos em cérebros humanos falecidos”. Os autores, Nihart, A.J. et al., detectaram o material em diversos tecidos, particularmente rins, fígado e cérebro. Nestes órgãos, encontraram micro e nanopartículas, principalmente de polietileno. Também outros polímeros, em concentrações menores, ainda assim significativas.
As quantidades de plástico não demonstraram influência relativa à idade, sexo, raça/etnia ou causa da morte. A época da morte do indivíduo foi um fator significativo. Foram estudados tecidos de cadáveres entre o ano de 2016 versus 2024, com valores crescentes ao longo do tempo.
As concentrações em amostras normais de cérebro de falecidos foram de 7 a 30 vezes maiores do que as concentrações observadas em fígados ou rins. Um acúmulo ainda maior de partículas de plástico foi observado em cérebros de falecidos que tinham diagnóstico documentado de demência, com deposição notável nas paredes cerebrovasculares e células imunes.
A extensão em que causam danos ou toxicidade aos humanos não está bem estabelecida, embora outros estudos recentes já tenham associado a presença de plástico em ateromas carotídeos com aumento da inflamação e risco de futuros eventos cardiovasculares adversos.
Esses resultados destacam a necessidade crítica de compreender melhor as vias de exposição, as vias de absorção e depuração e potenciais consequências da presença de material plástico em tecidos humanos, particularmente no cérebro.
Na bancada de pedra fria de um laboratório de análises, um pedaço de cérebro humano em um pequeno frasco começa a derreter quando a ele se adiciona soda cáustica. O produto químico decompõe os neurônios e os vasos sanguíneos, resta uma pasta contendo milhares de minúsculas partículas de plástico. Barbie e Ken observam tudo com vívido interesse.
Todos os textos de Fernando Neubarth estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA.