É muito comum alguém morar em um imóvel locado, ou emprestado por terceiro, e aquela pessoa começar a construir pequenas benfeitorias, como, por exemplo, realizar a reforma elétrica do imóvel, a reforma hidráulica, troca de portas e de esquadrias, consertos do teto, troca, do piso, construção de churrasqueiras, pérgolas, piscinas, troca das telhas, etc., e em razão do término da locação do imóvel ou do comodato ter de devolver o imóvel ao proprietário, com a perda de boa parte ou de todas as benfeitorias realizadas, ou do direito de indenização, ou retenção por tais benfeitorias. Isso ocorre tanto nos contratos de locação quanto nos de comodato, sejam eles de imóveis residências ou comerciais, ainda que não sejam formalizados por escrito, pois aplicam-se a esses contratos normas específicas previstas tanto no Código Civil quanto na Lei das Locações, Lei 8.245/91.
A este passo vale destacar alguns conceitos jurídicos:
– Locação de Prédios, segundo definição de José Naufel, no Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, “é o contrato bilateral, oneroso e consensual, pelo qual uma das partes (locador) se compromete a fornecer à outra (locatária) uso e gozo de prédio rústico e urbano, por prazo determinado ou indeterminado mediante remuneração pré-estabelecida”.
– Comodato, segundo definição existente no Código Civil Brasileiro, “… é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. Podemos ter então, por exemplo, um apartamento, uma casa, um prédio, um terreno, um escritório emprestado a alguém, que, saliente-se, pode ser realizado a título oneroso ou gratuito.
De acordo com o Código Civil brasileiro, as benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. As benfeitorias voluptuárias são aquelas de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. Por exemplo, um paisagismo no jardim, uma piscina, elementos decorativos, instalação de um pergolado, reforma de um salão de festas.
As benfeitorias úteis são aquelas que aumentam ou facilitam o uso do bem. Por exemplo, a instalação de grades e de concertinas, guarita de segurança, instalação de um porteiro eletrônico, melhorias na segurança do edifício.
E as benfeitorias necessárias são aquelas cujo fim é conservar o bem ou evitar que se deteriore. Por exemplo, troca do quadro de luz, conserto do telhado, reparos onde houver infiltrações, reparos para evitar que caia o revestimento da fachada de um prédio para evitar que ele caia na cabeça das pessoas.
Ressalte-se que não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor. Segundo o Código Civil, salvo disposição em contrário, o locatário goza do direito de retenção, no caso de benfeitorias necessárias, ou no de benfeitorias úteis, se estas houverem sido feitas com expresso consentimento do locador.
O Código Civil ao tratar sobre a posse determinou no artigo 1.219, que “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.”, e no artigo 1.220 que “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.”. Deste modo, como um comodatário é um possuidor de boa-fé, ele poderá ter direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, ou utilizar-se-á do direito de retenção, dependendo do caso concreto. Todavia, o possuidor de má-fé terá direito somente ao ressarcimento das benfeitorias necessárias.
Outrossim, de acordo com a lei que dispõe sobre as locações, exceto expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção. Entretanto, as benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel. Por exemplo, pode retirar um adereço decorativo, uma pérgola, desde que a estrutura do imóvel não seja afetada. No entanto, retirar uma piscina e deixar um buraco no jardim não seria admissível. O direito de retenção permite que o locatário permaneça com a posse do imóvel, até que as benfeitorias sejam ressarcidas.
Embora esteja previsto no artigo 54 do Código Civil que “O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada”, há entendimento jurisprudencial de que a disposição do artigo 1.219 acima mencionado prevalece sobre o artigo 54.
Cumpre destacar que, de acordo com o entendimento constante da Súmula 335 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção estipulada nos contratos de locação.
Destaque-se que a Terceira Turma do STJ, em fevereiro de 2024, entendeu que Cláusula de renúncia às benfeitorias em contrato de aluguel não se estende às acessões (neste link), pois de acordo com a Ementa do julgamento do RECURSO ESPECIAL núm. 1931087 – SP (2020/0197326-9)
“3. Consoante o teor da Súmula n. 335/STJ, “nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”. 4. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (art. 114 do CC). Assim, a renúncia expressa à indenização por benfeitoria e adaptações realizadas no imóvel não pode ser interpretada extensivamente para a acessão. 5. Aquele que edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, a construção, mas se procedeu de boa-fé, terá direito à indenização (art. 1.255 do CC).”
Nesse julgamento, estava em jogo uma indenização por danos materiais decorrentes da construção de um imóvel, uma academia de ginástica, que obviamente não constituiu uma benfeitoria, mas sim uma acessão, com o custo alto.
Segundo o Ministro Belizze, “… a obra realizada pelo locatário configurou uma acessão – e não uma mera benfeitoria, até porque o valor por ele investido no imóvel alcançou um montante elevado, que superam o senso comum para uma simples adaptação do bem para suas atividades.”
Conforme salientado no Acórdão desse Recurso Especial, há “… traço distintivo entre benfeitoria (“um melhoramento realizado em coisa já existente, da qual é, portanto, acessório”) e acessão (“são aqueles que resultam de acréscimos ao solo e pode dar-se por formação de ilhas, por aluvião, por avulsão, por abandono de álveo e por plantações ou construções (art. 1.248 do CC)”)”.
Assim, recomendo que, quando for fazer uma benfeitoria, haja preventivamente, solicite a autorização do proprietário do imóvel, informando o valor previsto e o despendido. Guarde os recibos, os comprovantes de tais despesas. Isso pode evitar muita discussão sobre o cabimento de indenizações, sobre o direito de retenção e sobre os valores a serem indenizados. Espero que esse artigo possa lhe ser útil de alguma forma.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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