Este trecho da crônica é a continuação da Parte 1 (leia aqui). Relembrando que esta crônica é sobre uma história retrofuturista às avessas sobre a Revolução Farroupilha, também conhecida como a Guerra dos Farrapos. É de fato um recorte deste evento histórico, salpicada com alguns eventos mundiais nem tão relevantes assim.
1 de março de 1845. Eleutério é eleito por consenso pelos derrotados farroupilhas como novo regente da província Charrúa, agora reincorporada ao Império.
14 de novembro de 1844. A C, que também seria conhecida como o Massacre dos Lanceiros Negros, foi a operação de maior sucesso estratégico formulada pelo ainda criança D. Pedro II – que teve esta ideia em um dia ensolarado quando passeava de lancha a vapor na Baía de Guanabara – e pelo seu comandante-em-chefe, o Barão de Caixas. O mais mortal dos batalhões dos Farroupilhas, os Lanceiros Negros, naquele momento seriam expostos, sozinhos, desarmados, na surdina da noite, e sem apoio dos seus três líderes – Bento, Giuseppe e Canabarro -, e seriam miseravelmente traídos no mais vergonhoso episódio desta guerra. Foi um banho de sangue. Desarmados, por seu comandante direto naquela tarde, Canabarro, homens, mulheres e crianças foram entregues à sede de poder do genocida Caxias. O conluio foi delicadamente costurado pelas hábeis mãos do Barão com Canabarro. Sim, Bento assinaria embaixo. O Barão acordou com Canabarro de modo direto como seria a noite no cerro dos Porongos, onde ficou combinado que duas horas da madrugada, os batalhões do Império avançariam para atacar os Lanceiros Negros, que estariam desarmados e cansados nessa noite. A carta do Barão a Canabarro diria explicitamente: “No conflito, poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província de Charrúa ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro”.
27 de fevereiro de 1844. Antônio Fontoura, o presidente executivo, encerra a conferência anual da sua empresa comemorando as vendas recordes do seu mais famoso produto no mercado tupi, o seu elixir Biotônico Fontoura – concorrente direto da Coca-Cola em solo tupi. Antônio Fontoura que havia recebido a informação confirmada da morte de seu irmão Paulino Fontoura – que também era um dos grandes concorrentes na produção de couro e, claro, concorrente direto das indústrias de Bento Gonçalves -, pelo seu arqui-inimigo Bento Gonçalves, realiza um pacto com o matador de aluguel Onofre Pires para eliminá-lo. Um duelo com esgrimas foi organizado pelas autoridades e confirmado com Onofre e Bento a ser realizado às 17:42h, horário do relógio da igreja da praça central. A notícia do duelo na TV dizia o local e a razão. No sábado então, às duas horas, todo o povo sem demora foi lá só para assistir. Onofre foi ferido no braço direito e na sequência uma espetada profunda na barriga, atravessando vários órgãos vitais. Bento havia se arrependido de perfurá-lo entre a quarta e quinta costela, afinal eles brincaram tantas vezes juntos quando crianças, chutando latas de extrato de tomate como bolas de futebol na várzea onde moravam, que aquele ato não lhe pareceu muito nobre. Mas no amor e na guerra, velhos laços são colocados à prova. Onofre não resiste e falece dois dias depois. Neste mesmo ano nasce Padim Cíço, que exaltaria dos desígnios de deus, e, no Velho Continente, nasce Friedrich Nietzsche, que 39 anos depois, mataria deus. Rutênio é isolado.
4 de agosto de 1843. Bento Gonçalves renuncia à presidência da República Poncho Verde. Neste mesmo dia divulga seu “Manifesto à Nação” — que é uma das inspirações para seus amigos Engels e Marx —, anunciando a população que não é fascista, misógino, racista, latifundiário, sexista, judeu, que não tem filhos bastardos, e além de tudo, é vegano. Ao final do seu manifesto, ele deixa claro sua preferência ao novo presidente negro, reforçando seu discurso não-racista, até então vice de Bento: Eleutério. Bento e Eleutério aparecem juntos em várias propagandas do seu partido.
O retrocesso espaço-temporal (des)contina na nem tão próxima/distante semana.
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Leitura indicada da semana:
- SALMI, F. A República Tupi: Histórias Retrofuturistas da Terra Brasilis, 2019.
- ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã, 1846.