Lendo as notícias sobre as eleições municipais e sobre a jogatina das bets, lembrei de dois velhos amigos. O Antoninho e o Janjão. Muitos anos atrás, os dois integravam um grupo que se reunia quase diariamente, no final de expediente e nas manhãs de sábado, num modesto barzinho.
Eventualmente, alguns se envolviam num jogo de dadinhos. Levavam, todos, vidas razoavelmente resolvidas. Eram professores, engenheiros, arquitetos, dirigentes de estatais, funcionários públicos. Políticos e candidatos também passavam por lá. Alguns até participavam da roda de dadinhos…
Estranhos e frequentadores eventuais – que eram raros por ali – não participavam do jogo. E aqui entra o protagonismo do Janjão e do Antoninho. O primeiro era mais diplomático na negação: olha aqui, meu guri, neste jogo só tem amigo. Na minha opinião, é melhor tu ficares só olhando.
O Antoninho era mais direto: não dá! Isto aqui é jogo de amigo, passatempo. Aqui, ninguém joga por necessidade! Quem joga por necessidade perde por obrigação!
Tivessem os responsáveis pela liberação das bets ouvido o Antoninho, a gente não estaria lamentando a dinheirama gasta, todo dia, nessas apostas online. Todo dia, a toda hora, na TV e no rádio, famosos ricos nos convidam a entrar no time deles: vem pro nosso time! Faz um bet! Aposta aí! Aqui é time grande!
Só não contam que nenhum deles ficou rico apostando… E que estão ficando mais ricos, induzindo a gente a apostar.
Quem joga por necessidade perde por obrigação, dizia o Antoninho. Alguém aí acredita que outro motivo, além da necessidade de turbinar a merreca do bico informal, de inflar o dinheirinho da bolsa do governo, levou o pessoal a gastar R$ 3 bilhões só em pagamentos por PIX em agosto? Some a esses R$ 3 bi as apostas pagas com dinheiro vivo da lavagem do carro no estacionamento, do pagamento à vista pelo serviço de jardinagem e vamos ver quanto as bets estão levando da enorme parcela pobre do país? Segundo o Banco Central, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família fazem apostas online.
O governo, agora, fala em restringir o uso dos recursos da Bolsa Família para pagar apostas. Um decreto sobre o assunto deve sair esta semana. Mas é fundamental que o governo regulamente a propaganda das bets. Só restringir os meios de pagamento não resolve. É preciso explicitar os males que o jogo provoca e os efeitos colaterais. Um deles, gravíssimo, repercute no sistema público de saúde: a indução ao vício.
Esperemos para ver se é possível neutralizar os convites ao enriquecimento rápido prometido por ricos que não ficaram ricos jogando…
E por falar em enriquecimento, vamos às campanhas eleitorais, que se aproximam do final. Tem candidato tentando transformar a urna eletrônica em máquina de aposta. O cara passou a campanha inteira promovendo concursos de views e compartilhamento, distribuindo dinheiro para quem espalhasse mais as mentiras deles.
Agora, às vésperas da eleição, tenta iludir ainda mais o eleitor. “Digite o número xx, respire fundo, me encare de frente e pense positivo”, diz ele, num misto de pastor de almas e coach animador de auditório. Tem gente até que acredita no crescimento dele na reta final da eleição graças a um tal voto envergonhado, com medo de dizer que acreditam nele. Pois eu acho que vai ser o contrário. A votação dele vai diminuir graças ao voto eu não sou bobo daqueles que descobriram que o dinheirinho dos compartilhamentos, que a tal força da mente só enriquecem e fortalecem esses falsos políticos craques em usar as redes para manipular principalmente, a parcela mais pobre e fragilizada do eleitorado. E que só disputam eleição por uma necessidade meio doentia de exercer algum poder em benefício próprio.
É minha aposta, ops, minha torcida. A ver. Dia 6 está chegando.
Foto da Capa: Bruno Peres / Agência Brasil
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