“A vida é curta e preciosa. Eu não posso viver despendendo minha vida e energia em lutar todos os dias contra o racismo”, declara uma afro-americana ouvida em reportagem do Los Angeles Times, de outubro de 2023, sobre um movimento recente que só aumenta desde 2020, com o episódio George Floyd, de deixar os EUA em busca de “Black hubs globais”. São comunidades que têm se formado no Caribe, México, Gana, Portugal e França, onde, mesmo que o racismo exista, a experiência no cotidiano é menos intensa e violenta que nos EUA.
Quando li esta matéria, eu estava em Paris e comecei a refletir e decodificar o que este movimento significa e tudo que engloba: exaustão, busca de landscape, experiência de racismo no Brasil, e meu desejo crescente a cada dia de morar no exterior, mesmo tendo ciência de fatos como xenofobia.
É obvio que um movimento como este reflete outra sociedade, a americana, e reflete outra realidade de pessoas negras, com acesso secular a educação, dinheiro e toda uma infraestrutura construída por suas ancestralidades, em termos de Black Money, que tem uma distância do Brasil de mais de 167 anos.
Segundo especialistas, aqui, a partir a abolição da escravatura, houve agravantes como os impedimentos legais de acesso a terras e educação para a construção de um outro futuro preto pós-abolição. Não estamos na base da pirâmide por preguiça e má índole como acreditam os amantes da meritocracia.
Então, a partir disto vale a pena refletir no dia de hoje – Dia da Consciência Negra- sobre a experiência de ser negro no Brasil, sua complexidade e o tipo de racismos que temos aqui. Isto faz parte da “consciência negra” que tantos por aqui detonam como dia, data e marcação de território identitário.
Vou utilizar aqui, pedindo permissão, a uma das figuras negras mais poderosas no Brasil para nossa comunidade e fora dela: Prof. Sidney Nogueira (foto da capa), Babalorisá, Doutor em Semiótica pela USP, autor do livro Intolerância religiosa, membro da Unesco – SOST, que resumiu em um post a experiência negra no Brasil, que intitulou como “09 coisas que todo negre deveria saber desde muito cedo”:
1-O Racismo existe e vai determinar a sua vida em todas as instâncias. Grande parte da justiça também é um homem “velho e branco” que não acredita em racismo;
2-O pacto da branquitude é território inviolável e dificultará sua mobilidade social, formação acadêmica, vida afetiva e relações;
3-O racismo tirará de você a possibilidade de acessar uma espiritualidade negra, seus ancestrais e uma religião negra;
4-Quando algo de bom lhe acontecer na relação com os brancos, talvez você se sinta agraciado, escolhido e colocará o branco na posição de herói ou de seu salvador;
5- Grande parte da branquitude não assumirá o racismo porque lhes é muito doloroso e junto com o reconhecimento vem a culpa e eles não querem sentir isso;
6-Mesmo os programas de diversidade e inclusão chamados de antirracistas, mesmo que liderados por pessoas pretas esbarram em acreditar e discutir seriamente o racismo;
7-Se você ascender e passar a ocupar posições de liderança, você será testado o tempo todo e deverá tomar cuidado até com o que fala. Pois tudo pode ser usado contra você;
8- A pessoa negra não terá folga ou descanso mesmo que aderir ao pacto da branquitude;
9-Por tudo isto e muito mais, saiba logo que a existência e experiência negra no Brasil sempre serão insuportáveis.
Este post é resultado de reflexões profundas do Prof. Sidney que diariamente é atacado em suas redes sociais com mensagens pedindo o mês da consciência humana, demonizando a fé de matriz africana e assim por diante.
E este é o ponto do cansaço que se junta à exaustão neste momento de crise climática, de guerras, de comunidades brancas dizendo que são invisibilizadas, e desta crença brasileira no mito da democracia racial. Como pesquisadora de narrativas emergentes e futuros vejo algumas questões importantes aí:
1-O Brasil e os brasileiros se recusam a encarar a doença para buscar a cura. Em pesquisa recente do prestigiado Instituto Peregum e o sistema de Educação por uma transformação Antirracista (SETA), em 2023, um dado grita: 81% dos brasileiros dizem existir racismo no Brasil. Mas apenas 11% admitem a responsabilidade. Então como existe racismo sem pessoas racistas? Segundo os analistas da pesquisa, aqui no Brasil temos o racismo cordial, e há também a discriminação cordial. “Os negros acham que há muito racismo, mas eu nuca sofri.” As relações estruturam o racismo no Brasil no dia a dia estabelecendo as formas de tratamento em relação a cor da pele. E uma distorção na forma de ser ver praticando o racismo.
2-Xingamentos verbais e ofensas, linguagem coloquial depreciativa, tratamento desigual e violência física. Na periferia de São Paulo, vive-se, em média, 23 anos menos que nas áreas nobres da cidade, mais de 51% dos brasileiros declara já ter presenciado um ato de racismo.
Então, enquanto este quadro não mudar, não é possível ter dia da “Consciência humana” até porque para ser dia consciência humana precisamos, como pessoas negras e indígenas neste país, sermos lidos como humanos. E não como alvos.
E voltando ao início desse texto, eu consigo entender por que me chamou a atenção a ideia do Blaxit. Nos EUA, eles têm dinheiro para poder criar um movimento deste tipo e pautar a discussão racial americana no nível do bem viver. Aqui, como estamos e no contexto da nossa realidade, o nosso Blaxit é impossível, pois estamos no nível do sobreviver. Até quando?
Bom dia da consciência humana para os que acreditam nisto.
Foto da Capa: Reprodução de redes sociais