Me causa espanto o alvoroço provocado entre os early adopters de inovação os “beta testers” da nova plataforma de rede sociais lançada recentemente: a Bluesky. “Será o substituto do Twitter”, “a lógica será horizontal e descentralizada”, “padrão código aberto”, são algumas das manifestações de quem recebeu “convite exclusivo” para conhecer a nova plataforma. Em meio ao debate público mundial sobre regulação de plataformas e responsabilização pelos conteúdos na busca por um ambiente social mais saudável na internet, achei a proposta, no mínimo, teimosa. Achei também incoerente um ambiente anunciado horizontal e descentralizado só conceder acesso por convite e lista de espera. Para mim, é um indício de mais do mesmo. Foi assim com clubhouse, Pinterest, Google+, Spotify, outros.
A abordagem beta é usual para desenvolveres de ambientes digitais porque permite que as empresas testem e aprimorem suas plataformas com um grupo restrito de usuários antes de lançá-las para uma audiência mais ampla, mas reproduz a lógica da escassez já utilizada por muitos estrategistas de marketing para despertar desejo e interesse. O fato é que vivemos na sociedade do cansaço, já escrevi sobre isso, e cansa só de pensar que além de Facebook, Instagram, LinkedIn, TikTok, em breve teremos de trabalhar para a Bluesky. Eu recebi um convite para entrar na lista de espera. Wow, que honra, um lugar na lista de espera. Sério? Sim, recebi um preview de acesso e estou na lista para o acesso contínuo. Mas a pergunta é: quem precisa de mais uma plataforma de mídia social?
O criador da Bluesky, Jack Dorsey, é ex-funcionário do Twitter, daqueles que discordava de políticas centralizadoras antes da aquisição por Elon Musk. O cara do contra. Eu acredito que invenções e inovações podem surgir na força do ódio, mas ainda não estou convencida. Por certo, o surgimento da BlueSky e outras plataformas semelhantes reflete a insatisfação generalizada com o estado atual das redes sociais. Mas…
Será que devemos direcionar nossa energia para migrar a um novo ambiente ou devemos reunir forças para melhorar as plataformas existentes e transformá-las em lugares mais seguros e saudáveis para todos nós?
Em vez de dividir ainda mais a base de usuários entre diferentes plataformas, poderíamos começar a levar a sério a questão da regulação, por exemplo. No Brasil, a pauta está quente na discussão da PL 2630 e seus pontos polêmicos. Na Europa, no ano passado, o Parlamento Europeu aprovou duas leis para aumentar a fiscalização do mercado digital e trazer maior proteção aos usuários: o Digital Services Act (DSA), a Lei dos Serviços Digitais e o Digital Markets Act (DMA), a Lei dos Mercados Digitais. Estas normativas passam a valer em todo o território da União Europeia como resposta à influência indevida das Big Techs sobre a democracia, os direitos fundamentais, as sociedades e a economia. E este é apenas um passo inicial, cada país deve ter seus regulamentos nacionais e é preciso muito mais.
Para melhorar as redes sociais digitais é preciso de alfabetização. Pipocar de plataforma em plataforma sem conseguir discernir fake news, discurso de ódio e opinião é como trocar de endereço sem sair do lugar. Muitos problemas decorrem da falta de compreensão sobre como as plataformas funcionam e como navegar nelas de forma segura e responsável. Investir em campanhas educacionais e programas de conscientização pode capacitar os usuários a identificar e combater a desinformação, o preconceito e o assédio, tornando as plataformas existentes ambientes mais saudáveis para se estar e interagir.
Em vez de criar redes sociais concorrentes, o esforço conjunto precisar ser para as plataformas existentes colaborarem com os governos, com as organizações da sociedade civil e com os especialistas em tecnologia para abordar os desafios em comum. A criação de fóruns de diálogo e parcerias estratégicas pode levar ao compartilhamento de melhores práticas, desenvolvimento de políticas mais eficazes e implementação de medidas de segurança mais robustas. Mas tem a questão dos ganhos financeiros e dos acionistas, a colaboração tem esbarrado no lucro futuro.
As plataformas de mídia social têm um potencial inexplorado para inovar e implementar recursos que promovam a interação saudável e construtiva entre os usuários, com foco mais em interesse público, sem perder a questão financeira de vista. Por exemplo, a implementação de critérios algorítmicos mais sofisticados pode ajudar a reduzir a propagação de conteúdo prejudicial e desinformação, priorizando conteúdos confiáveis e relevantes. A identificação para responsabilização de quem paga pela circulação de conteúdos falsos pode ser de grande valia, bem como filtros que impeçam o impulsionamento para evitar o dano antes de circular.
Mas eu penso que o melhor papel social que uma rede social online poderia desempenhar seria investir em recursos de suporte e comunidades de apoio para poder ajudar a lidar com problemas como preconceitos, bullying e assédio e outras questões de comportamento coletivo. A criação de espaços seguros para os usuários se conectarem, compartilharem experiências e buscarem apoio mútuo pode transformar as redes sociais em ambientes mais acolhedores e positivos.
Porém, a culpa também é minha, sua, de todos nós. Embora as plataformas tenham um papel importante em fornecer um ambiente seguro, também é essencial os usuários assumirem a parcela de responsabilidade. Usar sem questionar é consentir e até aplaudir o atual modelo. Badalar cada nova rede social anunciada, desviar a atenção da lógica de uso para o novo endereço é banalizar os efeitos destes ambientes digitais na nossa sociedade. Embora a criação de uma nova rede social, como a BlueSky, possa parecer uma solução atraente para os problemas enfrentados pelas plataformas existentes, não me parece que uma rede descentralizada na estrutura vai resolver nossas mazelas, pelo contrário, tende a agravar. Talvez eu esteja errada. Se um dia os gatekeepers da Bluesky me elegerem para o teste beta, eu tiro esta prova. Espero que ainda dê tempo. Quando acaba o Twitter mesmo? Quando todos sairmos de lá. Por ora, vou ali tuitar o meu texto, retuítem, por favor, a estratégia de guerrilha precisa continuar.