“Diga-me com quem andas e te direi quem és”, era o dito vintage dos pais, tios e avós moralistas de outrora. Uma carta na manga para tentar desqualificar pessoas que consideravam desajustadas e que, para os seus padrões retrógrados, provavelmente o eram. Ainda bem!
“São as más influências”, diziam também quando se encontravam com uma falta grave em algum dos seus filhes. Ainda que se esforçassem, os coitados jamais eram vistos como autores de nada desviante da mais aplastante norma. Os tutores acreditavam nas más influências sem perceber o quanto é possível estar abastecido de péssimas ideias mesmo na mais íntima solidão do banheiro – afinal, o cérebro é uma usina. Através de uma rebeldia aqui e outra acolá, os filhes só mantinham uma distância psíquica dos pais, já que a física era improvável. Apesar de tudo, uma parte boa que talvez esses mesmos pais de antes reconhecessem agora é que, naquela época, as tais “más companhias” eram humanas e tinham endereço geralmente conhecido.
Um colega de reputação duvidosa, uma amiga maconheira e algumas notas baixas eram suficientes para deixar pais de adolescentes em alas ou mesmo em pânico. Na maioria das vezes, os cenários eram menos catastróficos do que o imaginado, mas apenas maneiras encontradas pelos púberes para iniciar o longo e difícil exercício de descolar e – com sorte – decolar em voo solo rumo ao ninho próprio. Separações quase sempre são dramáticas e adolescer é uma espécie de separação com moratória.
Hoje as preocupações são diferentes. Algumas recém estamos percebendo. Pelo menos essa é a sensação quando converso com alguém sobre a série relâmpago Adolescência. Aliás, um golaço o fato de a série ser curta e grossa, pois nos joga em um problema que nossos resíduos moralistas – ou supostas mentes abertas – teimam em evitar: o abandono das subjetividades às telas. Seduzidos pela ilusão do “educativo” e do “tecnológico”, deixamos nossas crianças entregues às babás mais perigosas. Fascinados pela habilidade dos pequenos com as telas, nos esquivamos do papel tão importante de curadoria que cabe a nós – e não ao ChatGPT – realizar com nossos filhos.
Por falar em inteligências artificiais, chama a atenção a quantidade de pessoas que estão fazendo dessa a sua melhor companhia. Não julgo tão rápido, mas tento escutar. É o que me cabe como psicanalista. Contudo, se hoje arriscasse um pitaco que ninguém pediu, diria que parece que estamos nos tornando cada vez mais repelentes. Diria ainda que nos custa muito sair de um isolamento proposto em 2020. Por fim, diria que, quanto melhor nossa maquinaria digital, pior tem sido suportar nossas engrenagens cheias de carne, ossos e dubiedades.
Pós-dito 1: o banheiro já não é mais tão privativo.
Pd. 2: Alimentar o algoritmo ficou mais fácil do que alimentar relações humanas.
Pd. 3: Talvez melhor não dizer nada; vai que a máquina não me deixe mais trabalhar!
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Foto da Capa: Gerda por IA.