Além de deprimido e inconformado com a derrota para Lula, Bolsonaro declara-se cansado com a intensa campanha eleitoral. Em reclusão desde a derrota, confessa algum cansaço e tristeza. Deixou de aparecer em “lives” e a fazer declarações polêmicas. Está mais quieto, mas não inerte. Desde 30 de outubro, fez raros discursos e compareceu apenas a eventos militares. Num deles, chorou. Porém, nesta semana, dois caminhões de mudanças surgiram do lado de fora dos palácios do Planalto e da Alvorada, residência oficial do presidente.
Da Alvorada, já foi retirado o famoso cercadinho, de onde Bolsonaro falava a seguidores e mandava recados políticos a aliados e adversários. Prenunciam-se novos tempos. E, finalmente, Bolsonaro se dá conta que está prestes a deixar o poder. É assim que dá mergulhos na depressão e emerge. Antes, ocupou-se de acrescentar mais R$ 33,7 mil a seus ganhos como presidente de honra de seu partido, o PL. Somam-se ao novo vencimento, a aposentadoria de parlamentar, de R$ 33,7 mil, o salário de capitão do Exército, de R$ 12 mil, e o salário de ex-presidente da República, outros R$ 33,7 mil. Poderá usufruir de conforto material com cerca de R$ 100 mil mensais, sem contar os benefícios da renda de dezenas de imóveis que amealhou ao longo de sua vida pública.
Ainda há dez dias pela frente. Haverá suspense e dificuldades novas. Na avaliação do futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ex-parlamentar e ministro do Tribunal de Contas da União, feito por Lula seu interlocutor com os chefes militares, serão, sim, muito difíceis. Múcio foi deliberadamente lacônico. Escolheu palavras para expressar a preocupação de Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin, de maneira proposital. Há receio com o tumulto bolsonarista antes, na diplomação, e que se repita no dia da posse presidencial, 1º de janeiro.
A pedido de Lula, no início da semana, Alckmin esteve com representantes do governo dos Estados Unidos. O enredo foi pontuado pela palavra “sedição”, que é revigorada no léxico político americano por causa da invasão do Congresso, em janeiro do ano passado, patrocinada por Donald Trump numa tentativa frustrada de impedir a posse de Joe Belém. Sinônimo de sublevação, revolta e motim, entre outros substantivos, é crime previsto no código penal dos Estados Unidos e do Brasil. Lá é punível com 20 anos de prisão, como demonstraram 12 jurados de um tribunal federal em Washington, dez dias atrás, ao aplicar a pena ao chefe de uma facção de extrema direita, Stewart Rhodes, envolvida na invasão da sede do Congresso. A Casa Branca demonstra preocupação com a transição brasileira.
Alckmin alertou Lula. Com ajuda de Múcio acabaram complementando o quadro de informações sobre iniciativas em andamento com o objetivo de provocar tumulto, e, se possível, com engajamento de frações militares. A “questão militar” desenhada por Múcio não é novidade. Deriva de uma constante omissão do poder civil sobre o arcaísmo da formação, da estrutura e do profissionalismo na hierarquia das Forças Armadas.
Bolsonaro enxergou uma oportunidade política para aglutinar extremistas e simpatizantes num governo de moldura militarista. O ciclo acabou com o resultado das urnas, mas sobrou uma respeitável, porém difusa, oposição a Lula e ao PT. Bolsonaro vai liderá-la a partir da sombra política na qual se insere? Na tarde de sexta-feira, acompanhado por Braga Neto, fez um discurso a um grupo de seguidores na frente do Palácio da Alvorada. Foi a primeira e única vez que falou em pública, desde a derrota eleitoral.
A plateia se manteve na rotina de reivindicar uma “intervenção” para impedir o governo Lula. Bolsonaro respondeu, usando de ambiguidade que lhe é peculiar para incitar: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês”.
Como notou o novo ministro da Defesa, depois de 40 dias de silêncio, Bolsonaro atravessou o jardim do Alvorada para deixar suas digitais numa manifestação contra o regime democrático. “Ele hoje colocou a digital. Por enquanto, a gente não podia dizer ‘está por trás’. Não, são os caminhoneiros, donos das empresas de transporte, é o pessoal do agronegócio. Hoje, o presidente falou. Você viu o filmezinho? Ele falando, as pessoas atrás. Isso é uma coisa, realmente, que vai deixar a gente pensando.”