Muitas vezes já ouvimos alguém dizer, ou nós mesmos dissemos, algo nos referindo ao passado como tempos em que tudo era bom e, consequentemente, o presente é ruim. Quem viveu em cidades pequenas recorda a infância como uma vida tranquila, onde não existia violência, as pessoas dormiam com as janelas das casas abertas, as crianças brincavam nas ruas, os vizinhos eram amigos e existia o senso de comunidade, etc. Quem viveu em cidades grandes lembra que o tempo de deslocamento era bem menor, não existiam estes enormes engarrafamentos, a qualidade do ar era melhor, as cidades eram mais seguras, etc. Na escola, relações de amizade, família ou qualquer aspecto que analisarmos, sempre iremos buscar as nossas melhores lembranças, o que torna o passado esse mundo quase perfeito.
Existiam sim coisas boas, mas também muitas coisas ruins que nossa mente deletou. É verdade que aumentaram a violência, os engarrafamentos, piorou a qualidade do ar e tantos outros pontos. Por outro lado, aumentou a expectativa de vida. Hoje temos um SUS que dá inveja aos países ricos. Diminuiu a fome, foram conquistados novos direitos, temos uma sociedade que discute bullying nas escolas, racismo, homofobia e questões que no passado eram veladas.
Eu gosto muito de reencontrar amigos dos tempos da escola/universidade, como já escrevi em outros textos, acredito que isto é uma forma de revisitar as nossas trajetórias, de fortalecer amizades que pareciam esquecidas e que reacendem num encontro após muitos anos sem contato. Isto não significa querer reviver o passado, pois os tempos são outros e os amigos daquela época estão em outro momento das suas vidas. Não gosto da expressão “no nosso tempo” para se referir ao passado, penso que o nosso tempo é o presente.
Estou tratando deste tema porque, em sociedades que passam por crises socioeconômicas, é comum que surja alguém evocando o passado glorioso para manipular as pessoas. Usam os argumentos que citei, as memórias dos grandes feitos, dos fatos positivos, ressaltando somente o que existia de bom. Exemplo disso é a campanha de Donald Trump, que teve como slogan “Torne a América grande de novo”. O que isto significa? Desde 1931, os EUA cultivavam o “sonho americano”, que pregava que as oportunidades deveriam ser iguais para todos, e que através do trabalho, todos poderiam ter ascensão social. Porém, nas últimas décadas já vinha ocorrendo uma concentração de renda, os ricos se tornando cada vez mais ricos e cada vez mais difícil a ascensão social.
Tornar a América grande de novo remete às memórias de quando, com o trabalho, se conseguia ascender socialmente. Trump acusa os estrangeiros ilegais de roubarem os empregos, de serem responsáveis pela violência, promete reduzir impostos e “desmontar o estado”, podendo inclusive demitir funcionários públicos que discordem dele. O meio ambiente é outro inimigo, ele promete retirar os EUA dos acordos climáticos, cortar incentivos aos carros elétricos e energias limpas. Sua meta é investir em perfurações de poços de petróleo em áreas selvagens do Ártico.
Um cidadão americano comum, que percebeu que a sua vida piorou nos últimos anos, se sentiu sensibilizado com a proposta de voltar a viver o sonho americano do passado. As mudanças ocorridas no capitalismo americano, no cenário internacional, o surgimento de outras potências, a perda de competitividade das empresas americanas, tudo isto não entrou nesta análise, os únicos culpados foram o estado ineficiente, os estrangeiros ilegais e a proteção ambiental.
Como já disse Shakespeare, “o passado e o futuro parecem-nos sempre melhores, o presente, sempre pior”. Temos sim muito que aprender com o passado, evitar erros cometidos e lembrá-lo com gratidão, sem querer revivê-lo. É no presente que temos as opções de escolha, vamos fazer dele o melhor possível.
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Foto da Capa: Ilustração gerada por IA.