O mercado está nervoso e impaciente. Enquanto exige providências, o dólar sobe e a Bolsa de Valores cai. O que o mercado quer? Corte de gastos públicos. Onde o mercado quer passar a tesoura? No Benefício de Prestação Continuada (BPC), que equivale a um salário mínimo e é destinado a pessoas idosas com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência.
O nervosismo do mercado e a inclusão do BPC em mais uma reforma fiscal assustam as pessoas com deficiência e seus familiares. As propostas sugerem restringir quem tem direito ao benefício e até reduzir seu valor, desvinculando-o do salário mínimo.
O benefício é destinado a idosos que não recebem nada da Previdência Social e a pessoas com deficiência que estão fora do mercado de trabalho e não possuem renda fixa. A renda familiar, em ambos os casos, deve ser inferior a 1/4 do salário mínimo (R$ 353,00). O processo para acessar esse benefício não é simples: exige comprovação de que a renda familiar por pessoa é inferior a 1/4 do salário mínimo e de que o solicitante não recebe nenhum outro benefício previdenciário. Além disso, é necessário comprovar a deficiência e o grau de incapacidade por meio de avaliação do Serviço de Perícia Médica do INSS.
O BPC tem como objetivo tirar seus beneficiários da condição de miséria. Como observa Luiz Alexandre Souza Ventura, “o BPC foi criado para possibilitar renda mínima a pessoas com deficiência que não conseguem prover o próprio sustento por estarem absolutamente incapacitadas para o trabalho”. É um recurso para pessoas com deficiência e suas famílias, quando não há mais nenhuma alternativa, mas se tornou um mecanismo que compensa a exclusão do trabalhador com deficiência, um salário em meio ao desemprego e à invisibilidade.”
Ele ainda destaca: “Milhares de famílias têm nesse pagamento mensal a única renda fixa e oficial, ainda que integrantes desses núcleos consigam trazer para casa algum complemento financeiro, que é inconstante e variado. É uma realidade bastante conhecida e que se repete por todo o país.”
É importante destacar que, embora a perícia médica considere uma pessoa com deficiência apta para o trabalho, o mercado frequentemente adota um julgamento mais severo e cruel. Entre ser considerada capaz para o trabalho e encontrar espaço no mercado, há uma grande distância. Conforme dados do IBGE, apenas 29,2% das pessoas com deficiência participam do mercado de trabalho, em comparação com 66,4% da população em geral.
Outro dado que destaca essa disparidade é o índice de ocupação, que inclui pessoas que exercem trabalho remunerado, trabalho doméstico ou estão temporariamente afastadas. Apenas 26,6% das pessoas com deficiência estão ocupadas, em comparação com 60,7% da população sem deficiência. Além disso, a informalidade é mais comum entre pessoas com deficiência, com 55% nessa condição, contra 38,7% dos demais. A média salarial também é inferior: R$ 1.860,00 para pessoas com deficiência, enquanto, para o restante da população, é R$ 2.690,00. Ou seja, pessoas com deficiência estão mais sujeitas ao desemprego, à informalidade e ainda recebem salários menores que os demais trabalhadores.
Esses dados, no entanto, não deixam o mercado nervoso. O que realmente o incomoda são as exigências de leis de cotas ou o cumprimento das normas de acessibilidade (claro que há exceções, antes que me acusem de generalização). Esse nervosismo gera uma verdadeira ciranda de evasão de responsabilidades, em que as pessoas com deficiência são as maiores vítimas. O mercado de trabalho as exclui e transfere a responsabilidade para o governo. Se o governo cria benefícios para tirá-las da miséria, o mercado afirma que eles geram déficit fiscal. Se alguém propõe uma rede de apoio, o mercado reage com indignação, acusando o Estado de ser perdulário. Assim, o nervosismo e os gritos do mercado acabam abafando a voz das pessoas com deficiência e de outros grupos vulneráveis.
Como afirma Fábio Alperowitch, fundador da Fama re.capital, uma plataforma de investimentos responsáveis, ao falar sobre como o mercado enxerga questões existenciais que julga não afetá-lo diretamente:
“O mercado reflete os interesses de quem o compõe: pessoas privilegiadas, que não conhecem a fome e possuem os meios para se adaptar às mudanças climáticas. É um sistema que prioriza a preservação de sua própria lógica em vez de reconhecer os riscos sistêmicos que emergem da pobreza, da desigualdade e do colapso ambiental.” Ele ainda faz um chamamento: “É hora de ressignificar o papel da economia. Ela deveria ser um meio para servir às pessoas, garantir dignidade e promover equilíbrio. Não o contrário.”
De fato, enquanto boa parte do mundo discute a necessidade de programas de renda mínima universal, o debate sobre o BPC ainda gira em torno de decidir se devemos salvar ou não pessoas que caminham para a pobreza extrema. Essa é a grande questão neste 3 de dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Mas, como dizia o ex-presidente uruguaio José Mujica, “Os que comem bem, dormem bem e têm boas casas acham que se gasta demais em política social”.
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Foto da Capa: Agência Brasil