Todos nós escutamos contos de fadas na infância, e eu sempre gostei muito de ler sobre suas origens e as diversas interpretações de seus significados. A explicação que mais me cativou foi a da professora Lúcia Helena Galvão, que argumenta que, se tomarmos os contos de fadas de forma literal, ficaremos presos à superficialidade. É daí que surgem críticas quanto à passividade das princesas e acusações de que os contos seriam machistas. No entanto, se mergulharmos no simbolismo de suas mensagens, perceberemos que elas se referem à nossa própria existência. Em sua análise do conto “A Branca de Neve”, Lúcia Helena traça um paralelo com as tradições orientais, segundo as quais a personalidade humana é composta por sete elementos. A seguir, apresento uma síntese do vídeo da Profa. Lúcia Helena, incluindo referências para quem desejar explorar a origem dos contos e outras interpretações.
É importante notar que há distinções entre mitos, contos de fadas e fábulas. Os mitos são essencialmente simbólicos; por exemplo, quando Cronos devora seus filhos, o que se quer transmitir é que ele representa o deus do tempo. Já os contos de fadas combinam simbolismo com uma mensagem moral, garantindo que, mesmo sem compreender todas as camadas de significados, o público entenda que, ao final, o bem triunfa e o mal será punido. Por outro lado, as fábulas focam exclusivamente em transmitir lições morais, sem carregar simbolismos – exemplo disso são “Patinho Feio” ou “João e o Pé de Feijão”, que apresentam apenas o que está explícito na história.
Mas afinal, qual é o simbolismo do conto da Branca de Neve? De acordo com a tradição oriental, o castelo simboliza a personalidade humana, composta por sete elementos. Destes, quatro constituem os níveis mais básicos: 1) o corpo físico; 2) a energia que o anima; 3) o corpo emocional, que abriga nossas emoções; e 4) a mente em seu aspecto mais primário, voltada à sobrevivência. Acima desse quadrado, encontra-se um triângulo formado por três elementos espirituais: 5) a mente pura ou a alma (Manas); 6) a intuição (Buddhi); e 7) a vontade (Atma). O triângulo acima do quadrado forma uma figura semelhante ao tronco e os galhos de um pinheiro de Natal.
A narrativa da Branca de Neve se inicia com o desejo da rainha de ter uma filha, que é então trazida ao mundo, a Branca de Neve, mas sua mãe falece, dando lugar a uma nova personagem – a madrasta. Essa figura simboliza uma consciência desprovida de interesse espiritual, focada apenas em sua imagem refletida no espelho, que representa a aparência e a opinião alheia. Em certo momento, ao consultar o espelho, a madrasta percebe que sua imagem não é mais a mais bela, pois Branca de Neve a supera. Essa percepção indica que, internamente, sentimos uma inquietação, um chamado para transcender os prazeres efêmeros e buscar valores superiores como justiça, bondade e fraternidade. Sentindo-se ameaçada por essa elevação interior, a “consciência madrasta” decide eliminar Branca de Neve.
A voz de Branca de Neve representa a nossa alma, que, quando atacada, se refugia na “floresta” do inconsciente, mas continua atuante. Ao arrumar a casa dos sete anões, Branca de Neve simboliza a tentativa da consciência de harmonizar os sete elementos da personalidade. Mesmo que a madrasta tente esquecê-la, Branca de Neve permanece, o que leva a uma segunda tentativa de assassinato – desta vez, com a maçã envenenada. Essa fruta, identificada com o coração, sugere que envenenar a maçã é o mesmo que contaminar o próprio coração, semelhante ao que ocorre com Adão e Eva, que ao provarem da maçã, comprometeram a pureza de seus corações.
Quando a Branca de Neve é envenenada, ela entra em sono profundo, e os anões a colocam num caixão de cristal, mantendo sua vigília na floresta durante um longo período, simbolizando um tempo de sofrimento pela personalidade. Posteriormente, surge um novo castelo, representado pelo príncipe, uma personalidade que já amadureceu espiritualmente e deseja despertar sua alma. Ao beijar Branca de Neve adormecida, o príncipe promove o despertar da alma, demonstrando que, quando a alma assume o comando da consciência, a personalidade se eleva e alcança a realização e a felicidade.
Conforme enfatiza Lúcia Helena, o conto da Branca de Neve reflete a trajetória da nossa própria personalidade, que passa por diversas fases até se unir à nossa alma e atingir a plenitude. Os contos de fadas carregam simbolismos profundos que, muitas vezes, as crianças captam melhor do que os adultos, mesmo que não compreendam completamente suas nuances; com o tempo, essas mensagens se associam ao que vivenciarem e farão sentido. Achei a interpretação da professora Lúcia Helena Galvão muito inspiradora.
Referências:
- Vídeo Branca de Neve e a Alma Humana: Elementos simbólicos no conto - Lúcia Helena Galvão. Nova Acrópolis.
- Podcast Os traumatizantes contos de fadas originários. Mundo Freak Confidencial.
- Podcast O que ninguém te contou sobre os contos de fadas. Sincericídio Literário.
Todos os textos de Luis Felipe Nascimento estão AQUI.
Foto da Capa: Disney / Divulgação