A eleição de 1982 foi uma das mais importantes da história recente do Brasil. Repleta de significados, a disputa eleitoral marcava o retorno das eleições diretas para a escolha dos governadores – algo que não acontecia no país desde 1965. Assinalava ainda a volta do período pluripartidário (com o surgimento do PDS, de situação, e do PMDB, PDT, PTB e PT, todos de oposição ao regime) e, mais importante, devolvia ao cenário político personagens de destaque que estavam afastados da vida pública, como Miguel Arraes, Francisco Julião, José Serra, Mario Covas, Vladimir Palmeira e Leonel Brizola.
O Pasquim não ficou indiferente às eleições. Se na época mais braba da ditadura sua oposição ao regime era coesa e unida, em tempos de abertura política o comando se fragmentou. Já que a fusão das oposições era impossível, o jeito foi dividir entre os candidatos as páginas do jornal.
Do número 680 ao 700, a política do Rio de Janeiro seria o tema de grande parte das entrevistas. Receberam destaque, pelo PMDB, Arthur da Távola (jornalista e candidato a senador), Antonio Carlos “Perna”, figura folclórica de Vila Isabel, amigo de Jaguar e Carlinhos de Oliveira, candidato a vereador, e a jornalista Heloneida Studart, candidata à deputada estadual. Para deputado federal, os nomes eram: Alberto Capibaribe, Márcio Braga (ex-presidente do Flamengo) e Márcio Moreira Alves. Este último tentava retomar o mandato que havia sido cassado em 1968 após proferir no início de setembro daquele ano um discurso no Congresso Nacional em que convocava um boicote às comemorações do Dia da Independência e solicitava às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do Exército.
O PDT seria lembrado com Darcy Ribeiro, companheiro de chapa de Leonel Brizola como candidato a vice-governador, Carlos Alberto de Oliveira, o Caó, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro e candidato a deputado federal, Mauricio Azêdo, mais tarde presidente da Associação Brasileira de Imprensa e à época postulante a uma cadeira de vereador, e Neiva Moreira, vice-presidente nacional do PDT. Pelo PT, inexpressivo no Rio, apenas Liszt Vieira, sociólogo e professor universitário, ganhou espaço nas páginas para defender sua candidatura a deputado estadual. Rara exceção nesse contexto foi Sérgio Cabral, candidato a vereador pelo PMDB. Teve o apoio unânime de todos vinculados ao jornal e ganharia a capa do jornal na edição 684 com a manchete “O Pasquim no poder: Sérgio Cabral para vereador” e com uma caricatura do jornalista com a camisa do Vasco da Gama e segurando bandeirinhas do PMDB, do Flamengo, do Fluminense e do Botafogo.
Se o PMDB vencia entre os entrevistados, entre os articulistas, o peso maior era do PDT. Fausto Wolff, Aldir Blanc, Moacir Werneck de Castro e Nássara apoiavam o candidato trabalhista. O PMDB tinha o apoio de Ziraldo, Alberto Dines e Milton Temer. Correndo por fora, Henfil, Edilson Martins e Iza Freazza simpatizavam com o PT. Porém, os dois últimos, diante do tsunami Brizola, pregaram o voto útil no político gaúcho. Edilson alegando que Brizola “atrai o povão – o feirante, o motorista, a dona de casa, a empregada doméstica… Aí eu pensei: meus amigos do PT que me perdoem…”. E Iza com um artigo publicado na edição 697 em que defendia “Brizola na cabeça e PT no coração”, sugerindo o voto no PDT no Rio e no PT, representado por Lula, na eleição de São Paulo.
Dentro deste quadro partidário, Ziraldo postou-se ao lado de Miro Teixeira como candidato a governador. O cartunista via no jovem deputado chaguista a melhor solução para livrar o Rio de suas mazelas. Além disso, Ziraldo era um ativo simpatizante do MDB, depois PMDB, a quem inclusive ajudou com a criação do logotipo, aquele em que uma chama surge do meio do M da sigla.
Na oposição estava Jaguar, um dos primeiros a acreditar no discurso brizolista e apoiador da candidatura desde quando o ex-governador gaúcho patinava nas pesquisas com menos de 5% das intenções de votos. Ao lado de Jaguar, o PDT abrigava outros pasquineiros importantes, como o ex-editor Tarso de Castro, o já citado colaborador Fausto Wolff e o ator Hugo Carvana, marido da ex-editora Martha Alencar.
O Rio de Janeiro estava no epicentro de um terremoto político. Raro estado onde todos os cinco partidos de então estavam representados, o Rio chegou às eleições de 1982 com um panorama político pulverizado. Concorriam ao Palácio das Laranjeiras o ex-prefeito de Niterói, Wellington Moreira Franco, um ex-emedebista agora aninhado com seu sogro e mentor político, Amaral Peixoto, no PDS, Lysâneas Maciel, um ex-deputado autêntico do velho MDB agora filiado ao PT, Sandra Cavalcanti, lacerdista de raiz que se filiara ao PTB, Miro Teixeira, fenômeno eleitoral que havia conquistado um mandato de deputado federal no pleito anterior pelo PMDB com mais de meio milhão de votos, e Leonel Brizola, que voltava de um exílio de 15 anos e tentava retomar seu protagonismo político agora à frente do PDT, já que a sigla de sua preferência, o PTB, havia sido lhe negada pela justiça.
Num primeiro momento, Miro, turbinado pelo governo estadual, comandado por seu padrinho político Chagas Freitas, e Sandra, principal voz de oposição no Estado, dispararam na frente. Pareciam favoritos e – ao que tudo indicava – a disputa deveria ficar mesmo entre os dois. Com o avanço da campanha e o início do horário eleitoral, as candidaturas de Moreira Franco, com forte injeção de recursos do governo federal, e a de Brizola começam a crescer. O mingau estava sendo comido pelas beiradas, como profetizava o líder trabalhista.
Quando novembro chegou já estava claro que os únicos com chances reais de vitória eram mesmo os candidatos do PDS e do PDT. A luz vermelha do governo da ditadura acendeu-se pelo medo da consagração de Brizola fazendo com que acontecimentos estranhos fossem tentados para alterar o resultado. Porém Brizola, alertado por jornalistas e escaldado por situações semelhantes, reeditou em menor escala uma movimentação parecida com a da Legalidade que havia comandado duas décadas antes.
Chamou a imprensa internacional – e também a nacional que se mostrasse menos vinculada ao governo – e denunciou a manipulação. A estratégia deu certo. Brizola foi eleito com 1.709.264 votos, 34% do eleitorado. Moreira Franco ficou logo atrás com 1.530.728 (30% dos votos). Como o voto era vinculado, ou seja, o eleitor era obrigado a votar de ponta a ponta, de governador a vereador, no mesmo partido, muitos foram beneficiados pelo furacão Brizola. Com ele foram eleitos o vice Darcy Ribeiro, o senador Roberto Saturnino Braga e uma bancada com 16 deputados federais, aí incluídos nomes tradicionais do trabalhismo, como Brandão Monteiro e Bocaiúva Cunha, e novatos curiosos, como o cantor Agnaldo Timóteo e o cacique Mário Juruna. Vale lembrar que na época não havia segundo turno tampouco urnas eletrônicas – o voto era por escrito e colocado numa urna de papelão.