Uma vez aceito o convite para escrever semanalmente, era preciso acertar detalhes com o Luiz Fernando, um dos organizadores da Plataforma. Há, afinal, enquadre para todas as tarefas, nem que para desenquadrar depois.
Mais do que os detalhes em si, depois de tudo, como no poema do Drummond, ficou a conversa. Tomamos uns cafés na Auxiliadora, este bairro que oferece qualquer serviço, incluindo a barbearia que meus olhos flagraram, no Uber da ida, e fofocaram para a cabeça cabeluda.
E dê-lhe conversa. Luiz Fernando concordou que hoje resolvia a sua vida a pé. Já éramos dois leigos que entendíamos de urbanismo, acessos, metrô, densidade dos distritos, a utopia da cidade dos quinze minutos.
Alguns goles e um enquadre depois, perguntei se conhecia a tal barbearia dos meus olhos. E dê-lhe conversa (o que fica), pois ele frequentava outra, ainda mais próxima, onde um tal de Pedro fazia o serviço capilar com rapidez e competência,
O Pedro estava ocupado, mas não o Bruno Fujimoto que ofereceu outro café para me turbinar de vez. Depois, ativou seus instrumentos já turbinados e o que seguiu foi um silêncio secular.
Bruno olhava atentamente para o meu cabelo. Inclinava a própria cabeça, quando não a minha. Parecia buscar o melhor ângulo para a visão impressionada.
Muito tempo depois, declarou-se espantado com o que estava vendo. Como ignorasse os mistérios de um espanto que eu mesmo abrigava lá em cima, pedi que desenvolvesse as suas considerações. Começou falando dos fios brancos que ocupavam, segundo uma avaliação superficial, quarenta por cento do território. Eram revoltos, como costumam ser os brancos, mas via neles uma certa coerência que tentou explicar com afinco, embora eu ainda não conseguisse entender.
A parte principal do espanto estava nos dois redemoinhos que coabitavam no cocuruto, algo raro – segundo o especialista -, como um trevo de cinco folhas. O silêncio agora estava rompido e Bruno verbalizava um desejo genuíno de compreender melhor o que se passava ali. Cortava, pensando. Penteava, sentindo. Retomava, aludindo. Fazia pausas e refazia o trabalho, entre esboços de compreensão e uma enxurrada de dúvidas.
Senti-me ali um psicanalista bruniano, aquele que se espanta com a cabeça do outro, fazendo hipóteses, com desejo de conhecer melhor. De compreender. De encontrar no teto de cada um o redemoinho duplo, o trevo de cinco folhas.
Não, não éramos originais. Há muito tempo, René Diatkine, um francês, considerou como a principal função do analista infantil despertar na criança a mesma curiosidade que ele havia sentido por suas questões. Quando isso acontecer, o trabalho estará praticamente feito e o pequeno paciente desejará voltar.
Fez sentido. Agora, quando me olho no espelho, desejo que o cabelo volte a crescer depressa, pois quero reencontrar o Bruno.
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