1- Deve vir da infância meu gosto pela introspecção.
2- A capacidade de me encaramujar mesmo quando o mundo está convertido em ruidosas fanfarras.
3- Nem menciono este tempo de políticos boquirrotos e celebridades projetando sua fuleirice em altíssimos decibéis.
4- Reparando em antigos hábitos, entendo como, no colégio, fui migrando para as classes do fundo.
5- Os bagunceiros e falastrões que compõem este bioma até me incomodavam, mas eram minoria e depois se deixavam seduzir por algumas das promessas colegiais.
6- Restavam os dormidores, os repetentes, os desajustados que viam tudo o que não estava no quadro-negro. E os introspectivos, alguns com as golas erguidas para dissimular os fones, outros, ou talvez apenas eu naquela turma, escondendo um livro dentro dos manuais, como os tarados faziam com revistas de mulher pelada.
7- Suponho que aí aprendi que a introspecção é uma forma de periferia, mesmo quando estamos postos no coração do mundo tagarela. Que é uma margem a ser defendida, um reino inimigo de todos os demais.
8- Até este quarto, o novo século não se tem mostrado nada propício à preservação dos espaços de recolhimento e reflexão. Tudo é ação e reação. Encurtou-se severamente a distância entre a mente e os dedos, ora máquinas de publicar e replicar tudo que brilha demais, soa demais, sempre às pressas, aumenta o som, dizem, e eu considero que a saída é fazer o contrário.
9- Mais sombras, mais silêncios, e a retomada daquele modo de se distrair a que se chamava viajar: um esvaziar-se deste mundo e não um estufar-se com estímulos e pastilhas até rebentar, como um fígado de ganso.
10- E às gentes que creem que os outros devem ouvir o que elas têm e precisam dizer para melhorar o planeta, a deliciosa e invisível tecla mute que desde cedo aprendemos a operar.
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Foto da Capa: Freepik