1 – Testículos, bolas, colhões, bagos, saco, escroto, ovos.
2- Os idiomas são preguiçosos. Tantos nomes para uma região não são um dado menor de que alguma coisa rara está passando.
3 – Esta raridade é típica das partes sexuais. Porque as palavras também têm a virtude (ou o defeito) de imporem uma distância das coisas que nomeiam.
4- Quanto maior for a crença que temos de que uma palavra possa nos pôr próximos da coisa que ela representa, menores serão as chances de termos mais palavras para esta mesma coisa.
5 – Martelo é somente martelo para a coisa martelo. Folha para folha, sangue para sangue.
6 – Quantas palavras há para os órgãos sexuais masculinos e femininos.
7 – Porque há variados interditos e situações que pedem menor ou maior distância da coisa em si. Talvez isso explique as tantas apropriações de bichos no diminutivo para apontar as coisas sexuais para as crianças.
8 – No sentido inverso, a palavra para uso mais técnico — ou médico, ganha com a precisão e com a pobreza de termos, em geral, no caso das línguas neolatinas, voltando ao latim, como a que tenho de escolher para avisar ao pessoal da triagem da guardia onde e o que me dói.
9 – Dolor testicular. Me entendem. Escapo de apontar ou fazer gestos.
10 – Não demora estou na mesa da ecografia.
11 – Sostené el pene, pibe, diz o médico.
12 – Pene, o termo mais técnico. E é quando a palavra gel (única para a coisa viscosa que representa) encontra a circunstância anatômica plurinominável do item 1.
13 – No querés mirarlos? Lucen normales.
14 – Declino. Se não consigo nem ver bebês na escuridão submarina da tela, vez ou outra varada por abissais fosforescências, por que haveria de querer ver o que um nada saudoso presidente declarou ter roxo desde nascença.
15 – No fim saio com um ibuprofeno. Para um café. Olho as imagens do laudo mais uma vez. Nada. Parecem fotografias veladas. Mordisco a medialuna e considero uma maneira de escrever uma crônica em que o comando em espanhol do médico tenha alguma graça para os leitores como teve para mim.
16 – Porque as palavras não são as coisas, nunca há garantias.
Foto da Capa: Freepik
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