1. Sei que a próxima linha vai parecer um verso da canção Disneylândia dos Titãs.
2. Um colombiano cria bonsais chokkan em SanTelmo, Buenos Aires.
3. Trata-se do mesmo colega de escrita com quem ri sobre a sexualização das frutas na semana passada. Nesta, para surpresa de todos nós, revelou seu conhecimento sobre como dar forma a essas formosas árvores nanicas, arte tomada de um mestre japonês com quem estudou por um ano em Bogotá. Como tal sensei foi parar por lá não faço ideia, e talvez ele até tenha revelado. Por outro defeito de concentração da minha parte, no começo de sua história, eu só conseguia rever cenas do Karatê Kid: todos os sábios orientais para mim são como o sr. Miyagi. Lixe o assoalho, pinte a cerca, encere o carro —
4. Quando comecei a podar os bonsais, imaginava que o trabalho seria retirar os galhos e as folhas em excesso, para que se parecessem com os pinheiros em miniatura que todo mundo conhece. Achei que era como fazer a jardinagem do quintal, em escala reduzida.
5. Na segunda aula, o mestre mandou que parássemos tudo, com uma rispidez de bonzo zen sem a zenidade.
6. Vocês trabalham errado. Não se tira nada do bonsai. É preciso acrescentar-lhe vazio. É o vazio que dá forma aos galhos, à arvore toda. Vençam o horror ao vazio. Controlem a vontade de encher tudo, de entender o vazio como falta, como oco.
7. Foi também uma lição poética, disse o colombiano. E nos mostrou no celular os bonsais que vendia em San Telmo.
8. Mesmo meus olhos leigos puderam entender a lição do mestre. O caule o os galhos tinham uma nitidez, um contorno que parecia envelopá-los, como se o ar pudesse ser uma película, como se o vazio tivesse forma, tal o branco da página num poema de versos bem esculpidos.
9. O silêncio sensível. The sound of silence, sem a canção e a excessiva doçura de Paul Simon.
10. Coloquei meus fones, já na rua, depois do fim do encontro, com algum constrangimento. O terror ao vazio, a vida sempre com música de fundo, muito de tudo, os bufês infernais, as locuções esportivas, podcasts do momento, Romero Britto.
11. É uma proteção contra os ruídos urbanos, me digo. Eu admiro o vazio, só estou de fones porque —
12. E suponho que ao acrescentar mais uma seção numerada à crônica me persigno e revelo meu comprometimento e conversão aos ocos plenos do sr. Miyagi.