1 – Não sou o que todas as manhãs sobe as rampas da Biblioteca Nacional para estudar ou escrever. Por outro lado, que obras as que não existem.
2 – Ainda que dia ou outro eu possa vir aos salões que deixam ver o rio e antiga glória da Recoleta, venho esporádico, distraído, escrever esta crônica que não existiria aos olhos daquele que não vem.
4 – Trago um mate. Imagino que o outro também o traz, sem orgulho, pois o hábito costuma apagar o ufanismo ao convertê-lo em prática.
5 – Assim meu avô Paulinho o bebia, nas manhãs infinitas de Capão da Canoa, quem sabe também evocadas aqui e ali pelo outro.
6 – Que já domina o portenho escrito e falado, claudica menos, escreve em uma língua em que ainda faz sentido escrever.
7 – Eu penso que os vidros das janelas bem precisavam ser refrescados, reaver suas propriedades translúcidas, conjecturas típicas de um turista.
8 – Tanto amor à disciplina tem este outro que não o tocam a política, a economia, o cansaço. Não me surpreenderia se levasse na bolsa a apostila de grego que sou incapaz de estudar.
9 – Um ser da rotina, como eu, mas uma que inclui esta biblioteca que tanta polêmica causou ao ser inaugurada — imenso bloco de concreto armado entre plátanos e merda de cachorro.
10 – Nada posso aferir, no entanto, sobre sua modéstia de velho homem de letras. Será mais ou menos revoltado do que eu com o destino das artes, da educação, da cortesia e da elegância.
11 – Talvez por isso se encastele na biblioteca, com a boca amarga e verde.
12 – Ao fim, são tudo manhãs ilusórias, te digo.
13 – E te abraço com a piedade que se vota àqueles que vão morrer ao ponto final.
Foto da Capa: Biblioteca Nacional, Buenos Aires / Divulgação
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