1 – Estive no Brasil por dois dias, e dois dias viajando para estar no Brasil.
2 – Com o aeroporto de Porto Alegre fechado, há que voar de Buenos Aires a São Paulo, e depois para Porto Alegre.
3 – Com um paraquedas duplo e reforçado, haveria mais esperança de cumprir as agendas. Chega a ser quase escarninho o anúncio do comandante: estamos sobrevoando a cidade de Porto Alegre.
4 – Aqui uns carregadores fizeram uma greve-relâmpago e safada, deixando pessoas sem poder sair por horas de aeronaves já em solo. Para mim coube apenas uma longa espera, que me fez perder a conexão.
5 – Na verdade, ao chegar em São Paulo, descobri que o voo perdido para Porto Alegre havia sido antes cancelado, ou seja, não sairia tão fácil de Guarulhos.
6 – Tudo isso são circunstâncias as mais comuns na arte de voar em nossos tempos. O que não é comum é ficar oito horas em pé numa fila, à espera de que três guichês da Gol dessem conta de quase trezentas pessoas — outros voos também foram cancelados —, para remarcar seus destinos, prover hotel e alimentação.
7 – Eram quatro e meia da manhã quando disseram que a única opção para chegar a Porto Alegre era um voo para Floripa na metade da manhã e depois completar o trecho de ônibus.
8 – Os dias em terra, por sorte, compensaram tudo isso. Cheguei em Taquara à noite, para eventos na excelente feira do livro, com o apoio do Sesc, que é, para mim, há anos, a instituição que dá aos artistas brasileiros uma dignidade às vezes decisiva para continuarmos.
9 – Com um banho num zaz, chego ao palco do sarau, que já vai avançado, conduzido pelas grandes Alice Ruiz, Ilana Lehn e Nanni Rios. Aproveito para agradecer ao fim à programadora do Sesc Schana Lehn pelo suporte nas horas mais desesperançadas do périplo.
10 – Na manhã seguinte, conduzo uma oficina sobre viver a poesia como uma maneira de estar no mundo, com mais atenção, disponibilidade, na contracorrente do instantâneo, do rápido, das certezas e da publicidade.
11 – No almoço estão as pessoas amadas de Taquara, minha tia Angela, meu primo Ramiro e o amigo João.
12 – E depois Porto Alegre, no dia do aniversário de minha mãe. Uma meia jornada de muita alegria, tios, irmãos, sobrinha, meu pai e a Taci, dois amigos queridos. Gosto de pensar que por tudo isso aguentaria mais 36 horas.
13 – Mas havia ainda o retorno a Buenos Aires no dia seguinte. Então preferi não forçar o mecanismo da sorte.
14 – E dessa vez ela foi mais gentil. Apenas oito vezes o tempo normal de um voo direto.
15 – Não está mal. E toco três vezes a madeira mais próxima. Digo, o MDF mais próximo.
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Foto da Capa: Rovena Rosa / Agência Brasil