1 – Às vezes lembro de alguma vergonha.
2 – De pudores autoimpingidos. Aquilo que na vida é fechamento.
3 – No que então era o primeiro grau, estudei numa escola de bairro chamada Pequeno Príncipe. Ia só até a oitava série, com uma turma apenas por nível.
4 – Quando fui estudar no Rosário, junto com um colega chamado Fausto, no segundo grau, fizemos um pacto de não revelar o nome do colégio pretérito, que nos parecia vergonhoso. O segredo nos uniu.
5 – Ou a vergonha. E logo nos desgarramos. Pactos feito de constrangimentos por vezes exalam um odor repulsivo.
6 – Daí fui ao fundo da sala, à última fila. Lá era mais fácil lidar com o pudor de ser gordo, de ocupar mais espaço que devia, de poder sacar umas bolachas recheadas (comprada a três por dois nas Americanas) sem ser visto.
7 – Coisas de que o pudor salva: ser popular.
8 – A maldição do desencaixe: a escrita.
9 – Para outros foram as drogas, a violência, o sexo, a imolação.
10 – E a vergonha do Pequeno Príncipe. Mais até do que do fundilho rasgado de uma calça que eu usava muito, disfarçado com um moletom amarrado na cintura que era coisa que se podia usar em 1991.
11 – Neste café na esquina da Santa Fe com a Uriburu, no exato dia em que faço 49 anos, lamento não poder ter ajudado com uma boa gargalhada de seus constrangimentos àquele pibe de trinta e cinco anos atrás.
12 – Seja um gordo faceiro, de pança de fora, brejeiro, daqueles que fazem o ursinho para abraçar as colegas. Não menoscabarei o Quasar, essa adolescência açucarada e azul, nada disso, mereces a chance do despudor. Ao menos uma vez.
13 – Não haveria esta crônica, é quase certo, este eu que ainda tanto se melindra, mas respirarias, desde tão mais cedo, a impudícia de usar tua vida em tempo real, não em literatura.
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Foto da Capa: Ilustração do Site Oficial Le Petit Prince