1 – Diz-se que é possível rir de tudo depois de certo tempo.
2 – Não está mal, como em geral nos ditos, mas há aqui uma oportunidade de percebermos o quanto o interpretante, o emparelhador, tem seu papel central no significado de qualquer leitura.
3 – Chamamos tempo a quase tudo que seria mais caro chamarmos mudança.
4 – Nossa relação com pessoas, cidades, fatos.
5 – Em linhas muito básicas, era o que pensava Charles Pierce, que nossa ligação com o mundo se constitui a partir do modo como interpretamos os signos e daí sua relação com os objetos.
6 – Na arte é fácil percebermos tal ideia. A maneira como redescobrimos um filme, uma canção, um conto de Tchekhov. Os signos foram fixados em sua relação com o mundo (não importa se ficcional) antes da minha chegada. Da primeira, da segunda, da terceira. Mas a relação com o que experimento se altera a cada nova volta.
7 – Também assim com nossos eventos pessoais. Não sei se risíveis de todo, depois das devidas mudanças. Mas distintos, minimamente distintos a cada nova interpretação.
8 – Por motivos alheios e talvez até sinistros, em uma semana tivemos de ir do apartamento em que vivemos por quase três anos em Buenos Aires. Nós e as gatas.
9 – Coisas em geral para um depósito, as coisas mais queridas para a casa do Alê e da Guta, a gente e as gatas acolhidos pela Dani e pela Glória.
10 – E agora a busca por apartamento, tendo de lidar com um mercado totalmente desregulado, o que incentiva o pior do argentino. Mas não quero tomar esta vereda.
11 – O ponto é a leitura que em breve faremos ao passar pela porta do edifício, que, apesar de desgastada, ainda é quase a mesma, em sua objetividade e seu signo.
12 – Mas não os interpretantes, os emparelhadores.
13 – Que talvez possam rir disso no futuro.
14 – Por ora, rimos com nossas amigas das aventuras portenhas da última temporada, do delírio continuado em que escolhemos viver.
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Foto da Capa: gerada por IA