1- Por fim, Ainda estou aqui estreou semana passada na capital portenha.
2- Fomos com um casal de amigos brasileiros e estávamos com aquela sensação de assistir a uma partida fora de casa, por mais que imaginássemos a simpatia da torcida local.
3- Já no arranque, a oportunidade de ser apreciador gourmet de legendas, coisa rara, são poucos os filmes em português que conseguem destaque internacional.
4- Há um pouco de diversão em notar escolhas no mínimo curiosas para termos coloquiais, como “vigarista” virar “diabinho”. Mas havia erros grosseiros, que mudavam mesmo o sentido, como nos aconteceu com o Rocky no primeiro filme, que por um erro de tradução converteu em empate uma derrota.
5 – A primeira parte do filme me pareceu fabulosa, o resto, de um ponto de vista artístico, um pouco burocrático e com um sabor de já visto (embora nunca o bastante visto). E não se trata de desmerecer a atuação da Fernanda Torres (até isso há que se atravessar), ou relativizar a evidente e brutal violência de que a família Paiva foi vítima. A tentativa de negar ou apagar o passado que uma civilização toda atravessa é um dos maiores males deste novo século. Para mim, no entanto, sempre interessa mais o que há de específico num filme, e numa obra de arte, aquilo que é capaz de acionar as sensações, os sentimentos, memórias e experiências que se misturam às nossas, impressões que boa parte das vezes são bem difíceis de nomear.
6- Não sei se são os três anos longe do Brasil, os quarenta anos longe da infância, mas o frágil idílio à beira-mar que Walter Salles consegue criar, com os recursos da textura em Super-8, me projetou para um mundo em que havia irmãos, amigos, amigos dos meus pais, zoeira ao redor da mesa, areia e sal, as descobertas que vinham do toca-discos portátil (tínhamos um daqueles laranjas, com a caixa embutida na tampa.
7- À medida que o horror militar foi vencendo, alguns espectadores começaram a deixar a sala. Aqui a ditadura foi especialmente cruel em seus métodos. Aqui, também, como no Brasil, há pessoas que pensam que as críticas ao regime são propaganda de esquerda, de números inflados. Não sei o que as levou a sair.
8- Ao término da sessão, houve fortes aplausos, um hábito comum aqui diante de filmes acima da média. Gosto da ideia de que haja esses aplausos ainda que nenhum dos participantes do filme esteja na sala. É um aplauso que nos lembra se tratar de uma arte de plateia. É como uma peça ou um show, em muitos sentidos.
9 – Na saída fomos a umas empanadas, é o que ainda se pode pagar. Aos poucos foi cedendo a tristeza do filme e talvez estivéssemos um pouco efusivos em nossa brasilidade, à espera de uma mesa na rua. Uma senhora da Recoleta fez um psit, para que nossa amiga se calasse. Aquí se habla nuestra lengua. Depois de um instante de silêncio, espantados pela reprimenda, para desespero dela, voltamos ao nosso português faceiro, que sequer imagino como deva ter sido traduzido em sua mente.
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Foto da Capa: Gerada por IA.