1 – No dia em que a civilização colapsar, se eu estiver num café escrevendo a crônica da semana, estará tocando Sade.
2 – A única constância que percebo num mundo que despega seus rebocos é a do “suave operador”, do sax malicioso que já foi catalisador para muita gente nascer.
3 – Sade, junto com a Tina Turner (não desfazer das contribuições incidentais de Dire Straits e George Michael), foram responsáveis pela mitologia do sax hero, que tantos coquetéis e convescotes me renderam na juventude.
4 – Havia também o tema do Blade Runner. Que instrumento versátil, o saxofone. Dos apocalipses imaginários aos apocalipses reais.
5 – O que será que escutam os bilionários que celebram a destruição?
6 – Antes ainda era possível esperar o milagre, à maneira sombria de Leonard Cohen. Agora há mais e mais gente celebrando o armagedão.
7 – Por isso, entre a ingenuidade e a preguiça, há que louvar os cafés sadísticos.
8 – Isso não ficou bem. Sadianos? Sadiênicos?
9 – O que me faz lembrar da Enya. Esse sim seria um apocalipse dos diabos: ao som de Caribbean blue.
10 – Uma vez participei de um debate sobre um livro de crônicas que lancei há alguns anos. O mediador, com fala muito mansa e elogiosa, conduziu a conversa com civilidade e monotonia.
11 – Recentemente encontrei um site de avaliação de livros e qual não foi minha surpresa ao encontrar o comentário de pretérito mediador: suas crônicas não dizem nada, não vão a lugar nenhum.
12 – Mas o que haveria de dizer? E para onde queria que eu fosse?
13 – Noto que sua crítica, se assim posso chamá-la, faz de mim uma espécie de Sade, sem beleza, sem chame e sem voz de veludo. Contudo, não me parece mal. Lamento a falta de coragem do tipo. Se ele tivesse dito isso em nossa conversa, com certeza ela teria sido bem mais divertida do que a comportada maçada em que todos nos metemos naquela fria e digital videoconferência.
14 – “O mais doce tabu”. Onde, raios, isso quer chegar?
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