1- Há que vigiar a ideia de sabedoria.
2- Sábio vai, no máximo, com aqueles monges chineses, que inventaram ou foram inventados pelo I-Ching. Alguns lamas, alguns papas.
3- Ou filósofo idoso, que viu ruir todos os vaidosos sistemas em que a razão punha a mesa, como diz meu amigo Michael.
4- De modo que depois de louvar os quase-sábios artistas que alcançaram a maturidade, aponto para o outro lado do circuito, onde a energia bruta nos faz lembrar do que somos capazes quando nossos pulmões são jovens e nossas artérias tão mais dúcteis.
5- A fúria de Glenn Gould ao piano.
6- Rimbaud exaurindo todo o “duende” lorquiano aos dezessete.
7- Charlie Parker.
8- Janis Joplin.
9- Sylvia Plath.
10- Personagens desenhados para celebrar um fervor incapaz de conceder um mango à preservação: Julien Sorel, Arturo Bandini.
11- E antes que a crônica de hoje se transforme em um despejar de nomes — incluindo aqueles, como Maradona, que não tiveram a morte jamesdeaniana na flor da idade —, volto-me para o que há de encantador nesses sacrifícios.
12- Não há ainda a esfera da conformação, que se não nos cerra, gruda-se ao nosso ânimo.
13- Não está também o fracasso, que tanta beleza temporal pode trazer à vida.
14- Beleza erótica, pura energia comburente, nenhuma reserva, nenhuma poupança, nenhuma previdência.
15- Imolações que lamentaremos, mas não com total honestidade, pois nos redimem, em parte, das concessões que fazemos para envelhecer.
16- Dizemos que nos traíram por nos deixar ou por pararem tão cedo, mas é mais provável que sejam espelhos para nossas próprias traições, para tudo o que abandonamos de ideal e febril na juventude.
17- Depois diremos que é impossível queimar com tanta intensidade. Falaremos de desperdício.
18- E seguimos, por sorte, longe de qualquer sabedoria.
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Foto da Capa: Glenn Gould / Reprodução da Internet