1. Num daqueles filmes bobos mas divertidos dos anos 1990, Richard Gere era um jornalista com uma coluna de escrita rápida, o homem minuto, em tradução preguiçosa. Tratava-se de uma coluna com diatribes contra o sexo feminino, composta no apagar das luzes da edição, que será desgraçada por um artigo difamatório à personagem de Julia Roberts, donde advirão deliciosas tretas, hoje comprometidas por um desconforto temporal que parece ainda precisar de um longo ciclo de expansão.
2. Sacada da equação a serenidade de uma hora e meia que este tipo de arte promovia, invejo até hoje o alegado talento do jornalista de resolver sua escrita em pouquíssimo tempo, independentemente da chuva de processos. Até porque o grisalho charmoso tinha um apê em Nova Iorque onde nunca parava de ecoar Kind of blues do Miles Davis.
3. Por certo devia haver uma fórmula em sua coluna, quem saberá, o filme apenas tangencia este tema.
4. Sei muito bem que fórmula é o diminutivo de origem latina para forma, que há um encolhimento naquilo que se repete, que se cristaliza em uma série de procedimentos pré-prontos.
5. Mas ainda assim. Homem minuto. Não está mal.
6. Tenho a impressão, muitas vezes, que a ideia de brevidade tomou um desvio equivocado, que hoje jaz no rol das técnicas obrigatórias de expressão, mas não mais como um modo de operar. Manuais pedem frases curtas, parágrafos pequenos, palavras diretas. A brevidade devia ser uma concentração, uma seleção do essencial, uma saída para os velhos jogos que todos os dias ainda são jogados.
7. O artigo de Richard Gere tinha ótimas palavras rebuscadas. Ótimos fios a serem seguidos. Não era verossímil. Não para tão pouco tempo. Porque a brevidade de verdade requer tempo.
8. Disso sabiam os poetas orientais.
9. Mas quase nada sabiam seus imitadores. As febres de haikus das últimas décadas que nos atestem.
10. Esses dias, não sei bem como ou por que, topei com um documentário sobre o Buda no Youtube. Era uma espécie de longa biografia, celebrando a primeira vida de luxos de Sidarta para depois mostrar sua radical transição. Aos poucos fui reconhecendo a voz do locutor. Era Richard Gere. Numa dessas ligações que para mim tem a boa brevidade, imaginei que a iluminação podia explicar as colunas do homem minuto.
11. Mas nada garante. Posso estar errado, como quase sempre. O que é libertador.
12. A fórmula é a ausência de liberdade numa escala minúscula, é um apequenar do lampejo que incendeia a escrita, a ponto de gerar um amontoado de palavras que não movimenta nem uma inteligência artificial.
13. Eu gostaria de uma rapidez iluminada. Incapaz disso, contento-me com a rapidez de escrever menos.
14. Ainda assim, lá se foi meia manhã. Mas é outono em Buenos Aires, e a luz branca das onze horas alegra o coração como as antigas comédias românticas sabiam fazer. O homem minuto e a noiva em fuga.
15. Concisão e velocidade.