1 – As cidades de fronteira em geral sofrem de um mal que é uma espécie de BR que as corta (por vezes uma rua, uma avenida), separando países, culturas e idiomas, dificultando um processo de urbanização digna. Assim no Chuí, assim em Livramento. O novo país começa à vista dos free shops, o que não me parece o mais digno dos estandartes, embora sejam os que a muitas vezes juramos lealdade.
2 – Melhor quando há um rio. Os rios são sempre mais brilhantes e móveis que o asfalto. E depois uma ponte. Como a de Jaguarão.
3 – Gosto, contudo, da ideia de ser “doble chapa”. Acho que no Brasil todos poderíamos ser mais parte da América que nos cerca, com todas suas diferenças também, mas com uma língua mais franca.
4 – Voltando de carro de Porto Alegre a Buenos Aires, dormimos uma noite em Livramento, aproveitando as primeiras horas da manhã para ir atrás de umas quinquilharias na Zona Franca. É que se pode com o dólar alto.
5 – No topo da rua, ladeira acima, está o cassino que nunca dorme.
6 – Meu tio Regis, que adorava fazer aquela fé, por vezes saía de Porto Alegre, na companhia de um amigo, ambos professores de matemática, para testar as probabilidades contra as roletas uruguaias. Creio que às vezes ganhavam. Mas creio que ganhavam sobretudo a viagem em parceria.
7 – Viajar sozinho é um jogo mais difícil de jogar. Ao menos para mim. Pelo tio joguei umas moedas nos caça-níqueis. Estavam meio espremidos, mas pagaram pela lembrança.
8 – É chão, de fato. Mil e duzentos quilômetros. Pampa e mais pampa. Mais de vinte minutos sem ver um carro. Nosso deserto verde, céu ao revés, como diz aquela canção clássica.
9 – E então de volta ao que agora chamamos de casa, nossas duas gatas que não sabem se reclamam de não ter ido junto ou sentem saudades.
10 – A carteira parece a de um chibeiro. Há reais, pesos uruguaios, argentinos, uns dólares miúdos — um nunca sabe.
11 – Parece que chove há dias aqui. Os sulistas conhecem este clima. Paredes e lençóis úmidos. Somos resistentes. Guaíba ou Prata, amamos no cinza e no marrom das águas um jeito de estar no mundo.