1- Nos táxis, muitas vezes, sou o Possível Baldi, do Onetti, um personagem disposto a inventar uma vida diante de seu Interlocutor.
2- Vidas fictícias, não necessariamente uma mais interessante que a minha, como no conto, mas que me dispensam de falar um portenho razoável, o que não está entre as minhas escassas habilidades.
3- Já negociei boiada e ametistas (sobre as quais aprendi mesmo alguma coisa num tour literário do Sesc por Frederico Westphalen e região), já morei no Ceilão, já fali em São Paulo, já fui gaudério em Bagé, até inventei um aplicativo fabuloso.
4- Y para qué sirve?
5- Pues.
6 – E conto que o vendi para uns ianques, que me exigiram sigilo.
7 – Reparem. É cansativo ser a personagem do brasileiro que pela primeira vez surfa nas delícias de um câmbio favorável e que vive na cidade com confortos que eles perderam. É melhor ser um brasileiro qualquer.
8 – Representante das riquezas pátrias: café, soja, aço e cana. Dessas coisas sei pouco, mas sempre posso dizer que acabei num setor burocrático, na parte de vendas.
9 – Vendas não interessam a ninguém e as conversas morrem.
10 – Uma vez resolvi ousar e ser eu mesmo, quem eu era antes de vir pra cá, um escritor brasileiro.
11 – Antes de conseguir falar sobre minha poesia, a conversa morreu.
12 – Não condeno o taxista. Há coisas mais setepálmicas que vendas. Creiam em mim, sejam possíveis Baldis e descubram por vocês mesmos.
Foto da Capa: Andrea Piacquadio / Pexels