- Minha carreira no crime não durou dois minutos.
- Um colega tinha me dito que era fácil roubar chocolates nas lojas Americanas, que bastava ir com um moletom folgado e fingir procurar nas gôndolas com uma das mãos, enquanto se levantava as guloseimas com a outra.
- Apresentou-me uns quantos papéis amassados e coloridos como prova de sua habilidade.
- Esses foram só os de hoje, disse, com uns dentes manchados de tártaro. A verdade é que ele fedia a Acnase, e em nada o ajudava o tal moletom multiversátil. Mas eu não era propriamente alguém que pudesse ajudá-lo. Nós dois sentávamos na última fileira, cada qual por seus motivos.
- Eu passava todos os dias pela Americanas quando descia do Rosário em direção ao rio, para esperar pelo Assunção na rua Uruguai. Havia uma promoção de bolachas recheadas atadas por uma fita durex, vendidas a três por uma. A medida ideal para a angústia daqueles quinze anos: uma para o ônibus, outra para a noite, e ainda havia a madrugada e a manhã seguintes. Tal dieta, é claro, mostrava seus resultados.
- Mas eu era de algum modo grato a esse estabelecimento por sua promoção clonazepânica, e já havia qualquer coisa de punhalada pelas costas em minha próxima ação. Ainda assim, passei a ir com um moletom folgado para o colégio.
- O que não passou despercebido. Do outro lado da sala, meu mentor me acenava com uma mão cheia de celofanes de bombons.
- Nos dois dias seguintes sondei as gôndolas de chocolates. A mão para os despistes agia bem, mas a afanadora não saía do bolso do moletom. Aquilo não era fácil. Ao menos não para mim. Dizem que algumas pessoas sentem um arrepio, uma excitação com o roubo, eu sentia apenas um duplo desagrado: o de ser incompetente em mais uma atividade humana e o de ser um covarde.
- No terceiro dia, meu colega me abordou. E então? Já conseguiu? Menti que sim. Listei até uma marca suíça como parte do meu butim. Ele me deu um tapão no ombro e tentou uma forma de abraço rançoso, com uma ingenuidade que não combinava com suas pilhagens. Depois que a gente pega o gosto, fica só esperando o sinal bater para ir lá. A gente podia ir junto. Que acha?
- Uma péssima ideia. Tanto que o evitei na saída. Mas naquele terceiro dia resolvi tentar de verdade, suponho que por um atravessado senso de honra.
- Vamos. Cortina de fumaça com uma mão, caranguejo com a outra. Assim meti um Chokito e um Prestígio no bolso do moletom. Não era mesmo difícil. Ousei um quadriculado Surpresa. Agora era me afastar e ir em direção aos caixas, com as recheadas de sempre. Aguentei dois minutos antes de devolver os chocolates ao seu lugar.
- Alguém vai descobri, era o que eu pensava. E num minuto cansei. Não me parecia um ganho de qualquer ordem. Eu não tinha um motivo. Não era premido pela fome, pelo sustento de outros. Precisei de outro minuto para desfazer o furto.
- Quando pegava as bolachas para ir embora, vi que um segurança me seguia. Olhei para ele e recebi de volta um olhar que dizia, se pudesse te cagava a pau. E muitas vezes podem, com ou sem motivo.
- No dia seguinte, tendo chegado mais cedo ao colégio, vi o momento em que meu colega desceu do carro da mãe, recebendo, pela janela, uma mão cheia de chocolates, que guardou no bolso do infame moletom.
Foto da Capa: Comercial do Chokito 1997 – Reprodução do Youtube