1. Há somente dois tipos de argentino.
2. O que, diante do mundo em chamas, diz, talvez mateando, no pasa nada.
3. E o que, no supermercado, na última sexta-feira, comprando sabão em pó para um ano, vaticina: que se rompa todo.
4. Ou talvez sejam só as eleições num país em frangalhos. Não fosse o natural orgulho, certos fumos patrióticos e uns braços difíceis de torcer, a situação seria pior, ou quem sabe aparecesse em suas reais cores.
5. As pesquisas mais uma vez não captaram o que passaria nas urnas. Em um frenesi coletivo, no qual quase mergulhei (a importância de estar falido), as pessoas se atiraram à compra de bens duráveis, temendo um último derretimento do peso, uma febre das tulipas portenha — que, alias, estão caríssimas. Filas e mais filas em magazines, postos de gasolina, farmácias. Com a vitória do atual ministro da economia no primeiro turno (presidente de fato há quase um ano), durante o próximo mês ainda se poderá viver a sedante fantasia do mascaramento dos preços. E, ao menos por ora, o bizarro anarcocapitalista, que era o favorito, com sua impraticável proposta de dolarização total do país, também busca amansar seu discurso.
6. Curiosas pacificações em uma nação construída em rompantes de fúria.
7. No meio de tudo isso, um curioso hábito eleitoral. Acompanhando a votação no domingo pela tevê, notei que os apresentadores acusavam uma candidata de esquerda de falta de educação e rudeza na hora de depositar o voto. Enquanto estranhava o juízo, trocaram a imagem para o principal candidato à província de Buenos Aires, que antes de votar estendeu uma sacola aos mesários. Foi quando descobri que é uma tradição levar facturas e sanduíches de miga para quem trabalha nas seções.
8. Pareceu-me simpático. Mais tarde, a sacola da Patrícia Bullrich era de uma confeitaria maravilhosa chamada Dos escudos. Se eu pudesse votar, era capaz de levar meu voto com esse gesto. A cortesia secundada por guloseimas sempre ganhou meu coração.
9. E agora se desenha o segundo turno. Entre as coisas que descobri neste ano e meio é que no Brasil nada sabemos do que se passa fora de nossa prisão mental. Boa parte das análises na imprensa, dos comentários das pessoas nas redes, são ridículos, senão completamente absurdos. Compram e abraçam o que os ideólogos dizem que os candidatos aqui representam. Não fosse cansativo e inútil, era possível que valesse a pena esclarecer algumas coisas.
10. Mas no pasa nada. Que se rompa todo.