1. Saudades de uns filmes setenteiros, oitenteiros, nos quais a paranormalidade ainda não havia sido abduzida pelo besteirol dos heróis de quadrinhos mil vezes revisitados nos últimos vinte anos — e nada indica que teremos uma folga.
2. Carrie, a estranha, Scanner, sua mente pode destruir.
3. Mais antiga ainda é a ideia da telecinesia, este poder tão antropomórfico, pura extensão do tato, revelador do desejo de que houvesse uma força para além do curto alcance de nossos corpos. Fenômeno similar se revela no mundo da ABNT masculina — e em toda a sua indústria agregada: alguns centímetros são uma conquista que vale bombeadores, exercícios árabes, cirurgias arriscadas.
4. Na última vez que fui ao Brasil trouxe meu sax comigo. É um instrumento dos anos 1980, um quarentão neste ano. Está em forma, talvez quisesse um Just for man para os setores grisalhos de sua lataria, mas a dignidade, é preciso mantê-la.
5. Aqui da mesa onde escrevo esta crônica vejo o estojo que o protege. Separa-nos uns cinco metros. Um braço somado à extensão da mão alcança o quê? Metro, metro e meio com a ajuda do tronco, a depender de certas conformações. O arqueiro da Argentina talvez consiga uns dois metros.
6. Faço como nos filmes: a mão espalmada, uns leves tremelicos, o cenho franzido (e acabo de escrever cenho franzido, coisa que achei só coubesse a personagens da Agatha Christie).
7. E Nada.
8. O sax continua hibernando. Li certa vez que um russo era capaz de atrair metais com poderes telecinésicos, mas nunca houve provas contundentes fora de seu país. E sabemos que coisas estranhas soem passar entre Omsk e Vladivostock, desde os tempos do War.
9. Quem sabe com o lápis quase ao alcance dos dedos? Tentei isso ao longo de muitos anos. A diferença era que ninguém estava vendo. Bem, ninguém está vendo. Sou para quem lê o russo de antes, a ver, um tanto mais fracassado. Parece que ele também domava ursos nas horas vagas. Não sei bem o que fazer com essa informação.
10. Neste meio tempo fui até o estojo. Montei o sax, toquei um pouco. O som que guardava na memória era melhor, mas este existe, e existir é uma riqueza misteriosa em sua eternidade de lampejo, já virtualizada ao voltar à mesa e escrever este item, meia hora depois do 9.
11. Emanações de centímetros. Limitadas, tão redentoras. Hálito, cheiro, calor, antecipações dos seres que amamos. E a memória dos dedos. Por que condená-los em seu anseio de união com as coisas que estão para além de seu alcance?
12. Havia, alguns anos atrás, um sujeito que alegava ser capaz de telecinesia, acho que na virada do século, que havia tomado um raio na cabeça, e movia coisas com a mente no Fantástico. Eu ia dizer Billy Bob Thorton, mas este era casado com a Angelina Jolie. Não importa tanto. Importa saber como hoje a Marvel nos basta.
13. Melhor seguir acreditando que um dia veremos um copo d’água flutuar a nosso comando sobre a Avenida General Las Heras.
Foto da Capa: Carrie, a estranha | Divulgação