- O problema de não sermos mais capazes de prestar atenção em alguma obra exigente. E de deixar nossa atenção flutuar para outros aspectos dentro da obra.
- Esta ideia de que um filme tem por missão evitar que o espectador apanhe o celular é uma extensão do processo de tutela que parece ser há décadas a única pedagogia que nos restou.
- Professores com malabares. Artistas didáticos. E o movimento natural da didática para o moralismo.
- Para Leopardi, o tédio era um estado reservado às almas mais complexas. Saber entediar-se. Nas grandes obras há inúmeros momentos tediosos, para mim uma espécie de convite para que aportemos nossa própria experiência à moldura que um livro, um quadro, impõem a custo na realidade.
- Experiência não de todo verbalizável, e por isso mais profunda, parte deste terreno obscuro que por vezes a música sonda.
- O terreno das emoções, das sensações, das memórias mais íntimas. Por isso — e é uma desconfiança minha —, não costumo crer em pedidos verbais de empatia. Coisa comum e corrente nas redes. É preciso ser empático com tal coisa. O que não for antes afeto, dificilmente fará com que as palavras tenham efeito.
- O Padre Antônio Vieira sabia. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. Um pouco menos belicoso, eu diria que palavras sem afeto apenas troam em um lugar onde o que importa é mostrar o compromisso, não à toa nesses casos de uma forma verbal também. Quem ama, vai ao mundo praticar o amor.
- Soa religioso, mas esta é a parte bela de muitas religiões.
- No fim de semana passado, topamos com nosso zelador, o Julio, com os olhos muito vermelhos, parado em frente ao elevador, um camarada, em geral, gentil e sorridente.
- Podia ser que tivesse descido a escada, o elevador só chega até nosso andar, mas quero pensar que nos esperava. Depois de algum silêncio, perguntei o que havia acontecido.
- Durante a madrugada, seu companheiro de piso, um gato de três anos, que por vezes avistava na janela de sua sala que dá ao fosso de luz, escapou pela fresta da pequena janela da cozinha para uma queda de catorze andares.
- Diante de sua tristeza, e culpa, e falta antecipada do bicho, tentei articular algumas palavras, que me saíram em português, quase balbuciadas.
- Creio que nos esperava por saber de nossas duas gatas, por saber que o entenderíamos, para além das fórmulas verbais preparadas para as perdas humanas variadas.
- Creio também que ter voltado à minha língua mãe, uma camada abaixo do espanhol de uso recente, é um indício de que o afeto está antes de tudo, neste lugar em que ainda não há linguagem, o estrato mais fundo, depois a língua de nossa infância, e só então as demais que adquirimos.
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Foto da Capa: Freepik