- É sabido que Eliot, em A terra baldia, diz que abril é o mês mais cruel. Há muito considero se é preciso levar o hemisfério em conta, ou se é um daqueles achados poéticos, que poderia ser aplicado a qualquer mês. A crueldade está em toda parte.
- Alceu Valença canta com muita propriedade a crueza de junho, em Junho: Eu sei que é junho, esse relógio lento/ Esse punhal de lesma, esse ponteiro/ Esse morcego em volta do candeeiro/E o chumbo de um velho pensamento.
- Dezembro parece suave em Anos dourados, de Chico e Tom, embora eivado de nostalgia.
- Abril não vai bem em Buenos Aires, embora o governo diga que sim. Em quatro meses, correções de cem porcento no preço de tudo são corriqueiras. A inflação começa a baixar, mas não se vê ninguém comprando nada. No supermercado as pessoas olham para o chão, declamam com horror os preços dos produtos. As contas de luz, gás e internet avançam na casa de duzentos, trezentos porcento.
- E os livros, que é como sempre medi meu poder de compra, um luxo se pensamos em quem mal come; um item singelo na canasta dos endinheirados, que certamente estão tranquilos enquanto os ministros da vez os enriquecem mais um pouco. Qualquer livro normal hoje, novo, que tenha entre cento e vinte e cento e sessenta páginas, arranca de noventa reais. Um pouco mais robusto, chega fácil a cento e cinquenta, duzentos. E nada de beleza. Edições de capa dura ou com ilustrações, obras vindas da Espanha, arrancam de trezentos.
- A solução é se embrenhar cada vez mais nos sebos e suspender aquele espresso na rua. O café aqui é todo um tema. A indústria nacional oferece basicamente café torrado e já adoçado. Logo abro um negócio de contrabando de café brasileiro.
- De novo, são anos de crueldade já que enfrentam os argentinos. O problema é que a barbárie desnuda, sem freios, ainda consegue assustar. Acho que nunca vemos o fundo nesses pagos latino-americanos.
- Setembro é sempre a canção do Earth, Wind & Fire.
- Março de novo Tom.
- O pai do Conan e seus clones diz que no segundo semestre as coisas começam a melhorar.
- Penso se há alguma canção ou poema que reivindique alguma selvageria ou consolo para maio.
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