1. A beleza, depois de certa magnitude, não consegue mais ser captada pelas lentes.
2. O mesmo deve valer, em sentido contrário, para o horror.
3. Lá fora há neblina, coisa rara na capital federal. Nos últimos dias, enquanto estendia a solidariedade débil das palavras e de uns poucos recursos aos que estão ameaçados pelas cheias, muitos me disseram que as imagens não são capazes de dar uma ideia da real destruição.
4. Eu acredito. Abriria apenas uma pequena divergência. Não se trata bem da ideia, mas daquilo que acontece quando nosso corpo está dentro de um mundo inundado. Este senso de realidade que nossos sentidos podem conferir mais do que qualquer outra ferramenta.
5. Há água, mas não há água. Há casas, mas não albergam. E todas as coisas mais que faltam. Sobram discursos e soluções mágicas, quando não animismos patetas como: é o planeta que está chorando.
6. As grandes tragédias não encerram qualquer exemplo do que é a humanidade, como bem apontou Otto Friedrich. A cada instante podemos ver o melhor e o pior do que somos.
7. Leopardi via nos maus uma facilidade para se juntar e se organizar mais desdobrada do que nos bons. Creio que isso possa ser verdade em situações normais da vida. Daqui o que vejo é um número gigantesco de voluntários, barcos de resgate, gente juntando de tudo para doar.
8. Esta beleza se pode apreender como ideia, como imagem. Dura um momento, como costuma acontecer com a beleza. Depois acabam restando os gestos individuais, as perdas, o que a lama deixará sepultado.
9. Não consigo mesmo captar o horror. Tantas mortes. Depois as mortes dos bichos. Talvez numa escala menor, nas perdas materiais, que são, muitas vezes, quase uma forma de vida, como os livros de um conhecido que perdeu toda a biblioteca quando a água subiu ao teto.
10. Livros colecionados desde a juventude, companheiros silenciosos e agora submersos.
Foto da Capa: Freepik AI Generated
Mais textos de Pedro Gonzaga: Clique Aqui.