- O dia na Patagônia demora a se abrir. O fuso deveria acompanhar o do Chile, mas o país existe para que Buenos Aires possa existir.
- Às oito e meia, na quase escuridão da cabana em meio ao bosque, fulgura na janela a gigantesca face do cerro La Ventana, cuja cor salmão escuro não sei explicar de onde vem.
- E um silêncio total. Um silêncio que chega a ser agudo, como um leve zumbido. Talvez seja a hora de uma audiometria. Mais fácil culpar meu amigo Iuri pelos tempos em que sua bateria ficava a um braço do meu ouvido.
- Há dois tipos de poema: os que tentam registrar um instante e os que tentam evocar um instante. Nenhum dos dois aceita o perdido.
- Em torno desta negação — ou grande sim — acoplam-se a metafísica, as sensações, os sentimentos.
- E a fantasia e o sonho.
- E as formas do mistério a que chamamos transcendência, o mundo e os outros, os abismos de nós mesmos.
- Os poetas orientais, chineses e japoneses, em especial os clássicos, acreditavam em captar o instante impermanente. Dias nas montanhas e três versos (haiku), cinco versos (tanka). Dizem-me mais os tankas, mas há no haiku este verdadeiro impressionismo, este gesto de Monet, rasgar na página alguns caracteres enquanto a natureza segue ao nosso redor.
- Pois na escrita também carácter é um talho na página, o que percebemos ao escrever a lápis.
- Os poetas ocidentais preferiram, majoritariamente, buscar o balanço das emoções, das experiências, evocadas depois que o tempo começasse a operar com seus fármacos e filtros. Trata-se de um combate em busca de uma verdade capaz de restituir o vivido feito uma ferida que, mais do que se reabrir, voltasse a ser talhada.
- O cerro La Ventana começa a se cobrir de dourado. Arrisco ir à varanda, de pijama. O celular indica -2ºC. A relva está coberta de neve. Não aceitar o perdido.
- Só há eternidade, mesmo que a possamos acessar por alguns segundos, dentro do mundo e fora do tempo. Ou dentro de nós e contra o tempo.
- Os pés se enregelam primeiro. Logo volto para dentro do quarto.
Foto da Capa: Sierra de La Ventana/Reprodução.
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