- Antes estava o sabiá e me distraí. Os antigos sabiam, enquanto falamos o tempo foge.
- O visível, tão logo seja tarde. Depois o invisível de que falamos.
- O laranja alaranjado, a alaranjada pança laranja. O oco na árvore sempre está emoldurado de verde e cor de galhos. Somente às vezes se deixa preencher por esse laranja.
- Primaveras molhadas, as luminosas revistas, não estava ainda o brazilian wax, setembrar ou morrer, e não eras tu mais que um ruído nas tardes hormonais.
- Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá.
- Minha mãe já não te escuta, apagando-se de si mesma um poco mais a cada mañana. E eu finjo não saber disso, lendo diários num país estrangeiro, sem saber o nome dos pássaros, mesmo que os reconheça.
- O brilho negro de teu olho, negro que não vejo senão como imagem mental de um outro momento, onde havia um pátio, minhas mãos infantis, o limo das escadas, uma cidade de umidade extrema onde tu e eu éramos reis.
- Agora irmanados em tudo o que não está.
- As aves que aqui gorjeiam/ não gorjeiam como lá.
- Assobio teu canto na janela para vizinhos que te pensam um passarinho qualquer. Não apenas as línguas são intraduzíveis.
- Foi apenas uma distração. Estava, estávamos. E então trinta, quarenta anos se passam.
- Mas aqui queria que estivesses, pois que me toca celebrar o amor que se desdobrou longe de ti, viste apenas alguns relances, nas visitas ao teu quintal, mas quero que saibas: num dos cantos frios ao sul do mundo pedi a mão da mulher que amo.
- Talvez seja a hora de vires. Voando, economizas a passagem. Se aguentas o clima porto-alegrense, não te virá mal a Patagônia. Vi passarinhos se refestelando na neve. Serás o mestre de cerimônias. Teu laranja irá bem com os lagos azuis.
- O que perdemos, ainda podemos ganhar.
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Pedro Gonzaga: Leia Aqui.