1 – Dias atrás fiz minha primeira apresentação de livro aqui em Buenos Aires, de um poemário de Rosalía Iturbe, chamado Peixes prateados.
2 – Uma estreia madura, sopesada, e que me deu uma grande alegria, porque é sempre bom falar de um livro bom. Nem sempre acontece de um livro ser bom, é quando a discrição sobre as fragilidades dos outros se transforma na santa padroeira dos cronistas.
3 – Temia estragar o lançamento com meu espanhol macarrônico. Perto dos cinquenta, creio que nunca conseguirei falar nenhuma língua além do português, e ainda com dificuldade. Talvez algumas pessoas só tenham habilidade para aprender a ler e ouvir outras línguas. Por sorte a audiência era a mais amável e a livraria onde se deu o evento aconchegante e recém-inaugurada.
4 – Certos lugares novos parecem ser muito antigos. Entre algumas livrarias acontece este milagre.
5 – Ou talvez seja aquilo que o poeta Tejada Gómez diz numa letra defendida por Mercedes Sosa. “Uno vuelve siempre/ a los viejos sitios/ donde amó la vida”. Talvez cada livraria me devolva a outra livraria que amei em cada cidade.
6 – Divido um poema da Rosalía que traduzi para que vocês possam conhecer um pouco de uma poética que se junta à família de nossa Adélia Prado, uns versos voltados para descobrir nas coisas cotidianas sua condição única e irrepetível, este mistério que está em percebermos que não há um objeto igual ao outro, que a marca humana que deixamos ao tocar a superfície do mundo é quase conferir digitais a tigelas, xampus, poltronas, chaveiros.
7 – Estrela
Te vi faz um tempo na Bulnes e não sei quê
entrando num café ou numa padaria
com fones
com passos de astronauta
saído do banho já acalorado
Agora toca Wos e lembro da primeira vez
em que sorriste
o xampu de maçã
um luzeiro que brilhava na tarde
Te vi esta manhã na Bulnes e não sei quê
entrando numa padaria
o cabelo molhado caminhando em câmera lenta
cansado ou talvez fosse o calor
Às vezes me lembro da
primeira vez em que sorriste
8 — Ao fim, com a ajuda do portunhol, foi uma juntada memorável. Há uma coisa que me entusiasma aqui, que me entusiasma em qualquer lugar, embora rara, que é a coragem de bancar uma ideia: artística, literária, cultural. Uma editora corajosa, Corina Materazzi; uma poeta corajosa, Rosalía Iturbe; uma livraria corajosa, Naesqui (que vale a pena conhecer para quem visita a Capital Federal); e uma plateia acolhedora, que compareceu em grande quantidade, disposta a acreditar que vale a pena estar nesta cerimônia humana, se não a mais útil uma das mais belas, que é o lançamento de um livro.
Foto de Capa: Reprodução do Instagram
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