1. Haverá cada vez mais criaturas que terão os dois pés neste século.
2. Para os seculovinteiros, haverá um rápido apagar de nossas referências, e uma tentação severa à nostalgia, a um reivindicar do aspecto raiz dos itens em nossos baús.
3. A primeira armadilha.
4. Tentar valorar o que tivemos aos olhos de quem — em tese — terá o poder de julgar e preservar o futuro. Uma armadilha que o século passado armou com sua crença na revolução constante dos costumes, pelo menos desde os anos 1960. E a aposta no jovem. Nelson Rodrigues, de modo ácido, percebeu este movimento em suas crônicas, caricaturizando o rebelde revolucionário como um ente débil e facilmente influenciável pelas ideologias da época. Como tudo em Nelson, temos que ver seus exageros como certa perfomance textual, sem desdobrar sua própria fragilidade ideológica que o fez abraçar, por um tempo, o regime militar.
5. De onde vem a segunda armadilha. Crer que qualquer idade pode ter mais certezas do que outras. Faria bem que a dúvida aumentasse com o amadurecimento, mas vemos cada vez mais veteranos dominados por certezas juvenis.
6. Para sair das armadilhas é preciso relativizar o valor que os jovens (e os velhos) possam dar a alguma coisa ou não. Como professor, pude perceber isso várias vezes. Como aluno também. Coisas que só entendemos como importantes ou interessantes dez, vinte anos depois. Assim se sai da primeira armadilha.
7. Para a segunda é dar-nos uma licença para não abraçar os gostos das novas gentes. E também um direito à rabugice, a arma dos que pertencem menos, mas que ainda seguirão contestando o que agora deveria ser aceito como evidente.
8. A ideia de que o mundo é dos jovens mostra sua fragilidade quando olhamos para a expectativa de vida, que hoje beira os oitenta anos em muitos cantos do mundo. Parece estamos diante de uma invenção preguiçosa da publicidade, a conversão da esfera pública em um palco para as marcas globais, para a indústria estética e para as promessas de inclusão de influenciadores colagenados.
9. Resistir é rejeitar. E duvidar.
10. Mas e o medo do reacionarismo? Pode haver algo mais reacionário do que estarmos presos à atual cultura do revival? Termos de fingir que é novo o que sabemos não ser, que não é de um rematado conservadorismo seguirmos um líder, dietas de instagram, festas em lanchas, tips políticos?
11. Um raciocínio, um cálculo, e me vou. Se tenho quarenta ou cinquenta anos, há gente da minha própria década — e pelo menos gentes com três décadas a mais do que a minha. Para baixo, descontando as crianças, também haverá no máximo três décadas para os jovens. Se a parte de cima vai diminuindo, pela inevitável saída do jogo, na parte de baixo a natalidade vem mostrando uma queda pronunciada.
12. Se não se trata de um empate, ao menos há campo suficiente para acreditar e defender o que bem nos der na telha, assim como logo duvidar, até que, pelo menos, os últimos que pisaram o século XX não tenham mais pé no século XXI.
Foto da Capa: Nelson Rodrigues / Divulgação
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