1- Inventamos a música para dançar.
2- Depois, como um bem-vindo efeito colateral, para que as recordações tivessem uma trilha sonora, indexável, que nos permitisse recuperar, a cada vez que voltamos a ouvir uma música que nos marcou, uma parte do vivido.
3- Assim ficará em Wild God, a nova canção de Nick Cave, o banho desta manhã, enquanto a luz de agosto atravessa o vidro com um ganho de intensidade que trai um avanço da primavera. E também o tempo da minha vida em Buenos Aires, sempre pela primeira e última vez.
4- Heráclito tinha seu rio, eu tenho esta ducha e uma ventana para a avenida Las Heras, ruidosa e poluída, com seus coletivos cujas pastilhas de freio guincham mais que um porco no matadouro. Este difícil antagonismo entre beleza e horror, silêncio e hecatombe é o que a música equaliza.
5- Por isso na memória, daqui a alguns anos, sei que será Nick Cave a trilha incidental desta manhã.
6 – Assim como Coming around again, com a Carly Simon, em 1988, quando eu era DJ nas reuniões dançantes improvisadas na casa da mãe justo para não ter que dançar.
7- O tempo em que os discos da trilha internacional das novelas da Globo marcavam a esponja de nossos cérebros. Tracy Chapman. INXS.
8- A melô do papel. Anos depois descobri que era de uma banda chamada Housemartins.
9- A voz do Nick Cave ganha cada vez mais gravidade. Não no sentido apenas do som, mas de gravitas, de densidade. No entanto, há sempre uma nota de humor que tempera os momentos mais dolorosos.
10 – A ducha aqui não se tempera direito. Ou muito quente ou muito morna. Não deixa de ser curiosa a trilha sonora para este evento.
Foto da Capa: Divulgação.
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