1 – Muitas vezes isso: a poesia é intraduzível.
2- Para alguém que vive de traduzir poesia, poderia ser uma chance para a ofensa, aquela benfazeja lamúria que justifica nossa desgraça e desimportância.
3 – Mas é possível entender o que as pessoas querem dizer. E eu diria que há, inclusive, outras etapas mais intraduzíveis antes de chegarmos a um verso.
4 – As ranhuras do disco da memória.
5 – O cabeamento das sensações.
6 – A matéria interior dos sentimentos.
7- Nada disso se traduz perfeitamente em palavras. Exceto que nos aproximemos do discurso chapado do dia a dia, da ferramenta temperada dos lugares-comuns.
8 – E a poesia é justo a tentativa de escapar daquilo que poderíamos chamar de tirania das palavras mortas. E depois das frases feitas. E é esta sua dificuldade de tradução.
9 – Aquilo que seria a negociação do mais original. Daí também a dificuldade de traduzir poemas com rimas, porque todas as línguas são únicas em sua sonoridade. Dentro da própria língua os sons são instáveis.
10 – Sua riqueza e beleza.
11 – Ao tradutor resta tentar traduzir sem abafar com soluções mortas o que é sempre manifestação viva de um esforço fracassado: traduzir nossa experiência em palavras.
12 – Há um bolo do Batman no meu aniversário de cinco anos. Mas isso é só um índice da experiência, que não capta todas as nuances que acusamos serem perdidas na tradução.
13 – Então a poesia não é o problema, mas sim a denunciadora do problema. E a ela dou graças.
14 – Porque é ela quem nos liberta de acreditarmos que as palavras podem dizer as coisas com perfeição. Como bem aponta o crítico Sigurd Burkhard, acreditar que as palavras podem dizer as coisas é o mesmo que acreditar que as leis podem alcançar a justiça.
15 – Tudo o que é plenamente traduzível é de algum modo experiência pasteurizada. Termo médio. Totalitarismo da conveniência. São cartões pré-prontos de lojas de material escolar.
16 – A poesia é intraduzível em sua máxima definição. Mas ainda se pode ver Felini e Kurosawa mesmo em cópias VHS.
17 – O muito que se perde é menos do que se ganha. Como ao compartilharmos memórias, sensações, sentimentos.
18 – Talvez o humano seja uma experiência que só conheceremos em imagens granuladas.
Foto da Capa: Freepik
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