1 – Desde o início não simpatizei com este século. Um incontrolável açougueiro. Agora Kris Kristofferson.
2 – Já apareceu uma playlist especial no aplicativo. Liberdade é só uma outra palavra para não ter nada a perder. Algum blues cantado por Bob Mcgee.
3 – O algoritmo me oferece Tom T. Hall, que não ouvia há muitas temporadas. That’s how I go to Memphis. Foi assim que fui parar em Memphis.
4 – Gosto de canções que nomeiam cidades. A rainy night in Georgia. Ou Johnny Cash e June Carter anunciando confusões em Jackson. Nem falo das grandes cidades.
5 – E há também as imaginárias. San Vicente, na voz do Milton, a cidade e suas luzes, um gosto de vidro e corte.
6 – No mural do X, Kristofferson vai perdendo espaço para os conflitos da semana. Novas mortes. Muitas mortes menos naturais. É um matadouro.
7 – Tenho a impressão de que tudo se complica. Falo com amigos, com a Tainá, com meu pai. Todos sentem que algo não vai bem. Os discursos dos supostos líderes caducam e se vilificam.
8 – Buenos Aires tem muitas canções que a mencionam. Um refinamento nesta arte é citar o nome de ruas. No ves que va la luna rodando por Callao.
9 – Um grande amigo da juventude tinha um primo uns sete anos mais velho do que a gente, que havia abandonado o colégio na quarta série e se dedicava, devia ter uns vinte àquela altura de 1988, a consertar televisores. Andava sempre com um tchaco. Às vezes também com um taco de basebol. Defendia a tese de que no futuro quem dominasse melhor um porrete levaria vantagem.
10 – Não sei se ainda está vivo, meu amigo não, mas este século parece capaz de premiá-lo por sua selvagem perseverança.
11 – Volto a ouvir uma das grandes composições de Kristofferson, sobre um tipo desgarrado em plena manhã de domingo.
12 – Este verso vencedor: Porque há alguma coisa nos domingo que faz com que um corpo se sinta só.
13 – Que século. Maldito açougueiro.
Foto da Capa: Kris Kristofferson / Divulgação
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