A morte de Carlos Teixeira, 13 anos, vítima de agressões de seus colegas de classe é um doloroso atestado de nosso fracasso como sociedade e das instituições que tem como objetivo o bem-estar de crianças e adolescentes. Seu caso poderia ser mais um que é feito um pacto de silêncio para proteger os envolvidos se a violência não tivesse sido filmada nos corredores da Escola Estadual Júlio Pardo Couto, em Praia Grande, litoral paulista, onde estudava.
O bullying é uma violência, física ou psicológica, praticada de forma intencional e repetitiva, sem motivação evidente, praticada com o objetivo de intimidar ou agredir, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas. A violência psicológica, muitas vezes normalizada como uma “brincadeira” entre crianças ou adolescentes, quando não é tratada de forma séria, pode evoluir para a agressão física.
Carlos sofria humilhações e perseguição de alguns de seus colegas. A agressão era complementada por sua exibição pública, registrada em vídeos e, possivelmente distribuído entre os colegas, ampliando ainda mais a dor. Muitas antes da violência física, o bullying já deixa marcas. Como fala com muita propriedade a Dra. Raquel del Monde, “o bullying mata. Nem sempre da forma que aconteceu com o adolescente Carlos na última semana. Às vezes mata aos poucos, corroendo a autoestima, a autoconfiança e o respeito próprio. Envenenando as relações, a aprendizagem, os interesses, os gostos. Envenenando o desejo de viver.”
Segundo a advogada que representa a família, Amanda Mesquita, Carlos Teixeira não era pessoa com deficiência ou autista. Essa declaração foi dada, pois muitas publicações nas redes sociais informavam que ele era autista. Tal informação mostra também que não é necessário ser autista ou uma pessoa com deficiência para que a escola deixe de ser um espaço de convívio, de aprendizado e de tolerância para se tornar um espaço de segregação e violência.
Segundo declarações do pai da criança, o garoto sofreu violência reiterada, com pelo menos dois espancamentos. No último, realizado no banheiro da escola, dois alunos teriam pulado sobre suas costas, o que teria causado as lesões que teriam causado a sua morte. Esses fatos e circunstâncias estão sob investigação policial. As situações relatadas por esse pai, guardam uma amarga semelhança com situações vividas por pais e mães de alunos e alunas autistas: uma relação desigual entre instituições e pessoas, onde suas palavras e emoções são deslegitimados.
Conforme o site Metrópoles:
“Ele (o pai do adolescente) foi chamado pela subdiretora para comparecer à Escola Estadual Júlio Pardo Couto, localizada no bairro Vila Mirim, no dia 19 de março, por conta de uma emergência ocorrida com o filho, Carlos Gomes. Lá, foi passado pela funcionária que o menino teria caído da escada, informação que foi desmentida imediatamente pelo jovem, que corrigiu falando que foi agredido por três alunos”.
Essa é uma situação muito comum vivida por pais de alunos autistas e, também, por pais de alunos que sofrem bullying. Os pais buscam ajuda da escola mas encontram um discurso institucional desconhecendo, negando ou encobrindo a agressão. Como diz a Dra. Raquel del Monde, “o bullying acontece fora dos olhares da equipe escolar, muitas vezes com a conivência de outros alunos e com o silêncio de quem sofre a agressão. Um silêncio feito de medo e vergonha.”
Conta o pai que procurou o colégio mas, em suas palavras, foi “desprezado” pela autoridade escolar que teria respondido “que os envolvidos eram crianças e que, por isso, se resolveriam entre si”. Se eu tivesse ganho um real a cada vez que ouvi isso em situações vividas por minha família ou que ouvi de outros autistas e pais, possivelmente já estaria rico. Essa é uma resposta tão padronizada que não precisa ser vidente para saber que ela virá em algum momento.
Se as instituições de ensino não conseguiram manter a integridade física e psíquica de Carlos, o setor da saúde tampouco conseguiu zelar pela vida do adolescente de 13 anos. Após diversas idas, com consultas e exames ao Pronto Socorro central de Praia Grande e a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o adolescente foi encaminhado à Santa Casa de Santos onde faleceu após sofrer 3 paradas cardíacas.
Se o laudo pericial levará 30 ou 90 dias para indicar se a morte de Carlos foi causada pela violência que sofreu e/ou por erro médico, não é preciso tanto tempo para afirmar que sua morte passou pela invisibilidade de seu sofrimento por um sistema e pessoas que deveriam estar atentos ao seu bem-estar.
A causa mortis mais precisa seria a múltipla falência dos órgãos, não do adolescente, mas dos órgãos do Estado e da sociedade que deveriam cuidar dele e o acolher quando ainda em vida.
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