Leio em The Objective que o filósofo e ensaísta sul-coreano-alemão Byung-Chul Han foi premiado na quarta-feira (7/5) com o Prêmio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades 2025. O prêmio, criado em 1980 pelo então Filipe, Príncipe das Astúrias, herdeiro do trono da Espanha, visa promover os valores da herança universal da humanidade. O Principado das Astúrias é uma comunidade autônoma e a entrega do prêmio foi em sua capital, Oviedo. Ele já premiou escritores como Maria Zambrano e Umberto Eco (veja a relação aqui). Leio Han desde 2014, e a premiação, ainda que para muitos amigos o autor fosse uma novidade à época, para mim não. Há, como toda celebridade intelectual, críticas, mas eu o considero um autor de grande valor pelo poder de síntese, tão necessário para as massas nos tempos atuais. Há roteiros de leitura mais completos com a obra de Han na internet, como o de André Magnelli, mas ofereço aos leitores de Sler meu próprio roteiro, retirado da introdução do capítulo sobre seu pensamento incluído em meu livro As ideias políticas no pensamento contemporâneo (Clube dos Autores, 2025).
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Dirce Waltrick do Amarante, professora do programa de pós-graduação em estudos da tradução da UFSCA, na resenha do livro Sociedade do Cansaço (Vozes, 2005), descreve Byung-Chul Han como o filósofo que pensou a transição de uma sociedade que “no século passado sofria de patologias bacteriológicas ou virais para uma sociedade que, no século 21, sofre de patologias neuronais, como depressão, transtornos de déficit de atenção, hiperatividade e Síndrome de Burnout” (Estadão, 2/11/2017). Han caracteriza nosso mundo como marcado pelo “excesso de positividade”, onde se diz que “tudo é viável ao homem”, como dizia a campanha de Barack Obama, “Yes we can” (“Sim, nós podemos”).
Para Byung-Chul Han, esse excesso de positividade termina por criar uma sociedade permissiva e pacificada que “não pressupõe nenhuma inimizade”. Han começa aí seu pensamento político, mas não somente ele, referindo-se ao fato de que a política nasce da polarização (amigo/inimigo, interior/exterior, próprio/estranho), o que, justamente, estaria sofrendo uma nova mutação, pois, com a crise dos refugiados e a ascensão da extrema direita no planeta, retorna à polarização entre amigo e inimigo que “rejeita o outro com sua interioridade, o exclui, mesmo que exista em quantidade mínima”. O mundo da globalização, segundo Han, tem uma topologia política própria, marcada por barreiras, trincheiras e muros.
A saída política, também existencial, seria o retorno à contemplação, ligada à arte e cultura que exige atenção profunda: “Paul Cézanne, esse mestre da atenção profunda, contemplativa, observou certa vez que podia ver inclusive o perfume das coisas”. A contemplação retoma a capacidade de ver, exige atenção profunda inalcançável ao homem da sociedade do desempenho, que é hiperativo e multitarefa por natureza. Han mostra os efeitos do capitalismo e do mundo digital nas transformações do homem contemporâneo, tornando-o incapaz de dizer não, já que ele tudo pode. Byung-Chul Han é um observador do mundo contemporâneo, um analista capaz de sintetizar em sua obra as contribuições filosóficas mais contemporâneas sobre temas atuais, sem deixar de dedicar-se, em algumas obras, a temas que são parte da filosofia oriental. Nesse sentido, é portador da leitura filosófica entre dois mundos, o seu, oriental, e o nosso, ocidental.
Vida e obra
Byung-Chul Han nasceu em Seul em 1959, onde estudou metalurgia. Foi para a Alemanha nos anos 80 sem conhecer a língua e estudou filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique. Em 1994, doutorou-se naquela universidade com uma tese sobre Martin Heidegger e hoje ensina filosofia na Universidade das Artes de Berlim, depois de ter ensinado Filosofia e Teoria dos Meios de Comunicação na Escola Superior de Desenho de Karlsruhe, onde foi colega de Peter Sloterdijk.
Há poucas informações sobre a história de Han. As principais informações pessoais vêm de entrevistas e foram compiladas em seu site da Wikipedia. As primeiras informações pessoais chegam pelo semanário alemão Die Zeit, onde Han disse que seu interesse pela tecnologia veio do fato de que, na infância, sempre brincava com rádios e aparelhos elétricos. “Decidi estudar metalurgia na Universidade da Coreia, mas abandonei o curso depois de causar uma explosão em casa enquanto trabalhava com produtos químicos.”
Byung-Chul Han chegou à Alemanha aos 26 anos de idade sem saber alemão nem filosofia. Em uma entrevista ao periódico El País, ele fala: “No final dos meus estudos [metalurgia], me senti um idiota. Eu, na verdade, queria estudar algo literário, mas na Coreia eu não podia mudar meus estudos ou minha família teria me permitido. Eu não tive escolha a não ser sair. Menti para meus pais e me estabeleci na Alemanha, embora mal conseguisse me expressar em alemão (..) eu queria estudar literatura alemã. Eu não sabia nada sobre filosofia. Eu sabia quem era Husserl e Heidegger quando cheguei a Heidelberg. Eu, que sou romântico, queria estudar literatura, mas lia devagar, então não pude fazê-lo. Eu mudei para filosofia. Para estudar Hegel, a velocidade não é importante. É o suficiente poder ler uma página por dia.”
Trajetória universitária.
Ele estudou filosofia na Universidade de Freiburg e literatura alemã e teologia na Universidade de Munique. Em 1994, ele concluiu seu doutorado em Freiburg com uma dissertação sobre Martin Heidegger, com o título “O coração de Heidegger: o conceito de humor em Martin Heidegger”, publicado pela Editora Wilhelm Fink, em Paderborn, Alemanha, em 1999. Em 2000, ele ingressou no Departamento de Filosofia da Universidade de Basel, onde completou sua habilitação, e em 2010 ele se tornou um membro do corpo docente da Staatliche Hochschule für Gestaltung Karlsruhe.
Professor universitário, concentrou seus estudos na filosofia dos séculos XVIII, XIX e XX nos temas da ética, filosofia social, fenomenologia, antropologia cultural, estética, religião, teoria da mídia e filosofia intercultural. Desde 2012, ele é professor de estudos de filosofia e estudos culturais na Universidade das Artes de Berlim (UdK), onde dirige o Studium Generale, o Programa de Estudos Gerais, recentemente criado.
Também temos poucas informações sobre como foram escritas as obras iniciais de Byung-Chul Han. Mesmo esta listagem, feita em 2018, ressente-se das novas traduções posteriores feitas pela Editora Vozes de obras aqui citadas em espanhol, quando tive acesso pela primeira vez. As suas três primeiras obras foram publicadas na Alemanha entre 1999 e 2002 e resultam dos estudos de doutorado em Freiburg. Sobre seu O coração de Heidegger, Marco Aurélio Werle, em A angústia, o nada e a morte em Heidegger, assinala a importância da filosofia da existência do autor, que realiza a retomada da filosofia primeira de Heidegger exposta em Ser e Tempo, originalmente publicada no ano de 1927. Ele afirma que, quando se pretende examinar o pensamento de Heidegger como filosofia, “seu tema era a verdade ou o sentido do ser que, embora deva ser inicialmente posto em questão no âmbito da existência humana, a transcende na direção da história do pensamento filosófico ocidental como um todo”.
A influência de Heidegger.
Urbano Zilles, no artigo “O significado do humor”, assinala um ponto da filosofia de Heidegger fundamental para Han: o significado existencial do humor. Este ponto chamou a atenção de Martin Heidegger: “Que os humores podem mudar ou dissipar-se, significa somente que o existir dá-se sempre num estado emotivo”. Para ele, o humor fundamental é o tédio, “o peso do ser”. É aquilo que manifesta “como alguém é e se torna” (Sein und Zeit, § 29). Essa preocupação com o estado emotivo contemporâneo, com o tédio provocado pela tecnologia, é um tema transversal em Han.
O segundo livro de Byung-Chul Han é intitulado “Mortes, investigações filosóficas sobre a morte”, publicado pela mesma editora e cidade em 1999, tema que retorna em uma nova edição em 2012 e que é publicado no Brasil com o título “Morte e Alteridade” pela Editora Vozes em 2020. Aqui Han mostra suas leituras idiossincráticas de Adorno, Heidegger, Derrida, Levinas, Kafka e Handke, dando uma variedade caleidoscópica à morte. Dando linguagem e voz à morte, fala da vida, relaciona-a à mente, à percepção, a conteúdos de consciência e suas metamorfoses.
Heidegger é o filósofo de formação de Han. Ele dá ao pensador coreano o contexto filosófico para compreender a modernidade. Nesse sentido, suas obras posteriores são devedoras da interpretação do sentido, isto é, as questões que Han faz da problemática do poder à transparência social são indagações sobre como a tecnologia, os hábitos, a transparência – temas de suas obras seguintes – afetam a natureza do ser humano.
O autor nos chega pelos espanhóis
A primeira obra a ficar acessível aos brasileiros é a tradução em espanhol de A filosofia do Zen Budismo, publicada em 2002 pela Editorial Herder, na Argentina. A obra faz o caminho inverso: uma vez formado no pensamento de Heidegger, Byung-Chul Han retorna às suas origens para analisar o budismo Zen de sua formação no Mahâyâna, originário da China. Com sua orientação meditativa, Mahâ significa “grande” e “yâna” significa “veículo”, quer dizer, o mahâyâna é o budismo como caminho de salvação, veículo que livrará os seres vivos de uma existência cheia de dor. “A doutrina de Buda não é nenhuma verdade, é mais um veículo, um meio que será supérfluo quando atingir seu fim.” O discurso budista está livre da coação da verdade do discurso cristão” (Han, p. 9).
O objetivo de Han é, portanto, diverso. Frente a uma filosofia que recusa o pensamento conceitual, é cético quanto à linguagem. A obra busca refletir sobre um objeto que não implica filosofia. Han diz que filosofia é sobre algo, e seu objetivo nesse trabalho é desenvolver a força filosófica do budismo. “O presente estudo se desenvolve mediante comparações. A filosofia de Platão, Leibniz, Fichte, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger, entre outros, é confrontada com os pontos de vista filosóficos do budismo Zen” (Han, p. 11).
O fato de que Han tenha trabalhado o pensamento de Hegel em obras anteriores foi importante para o tema que nos interessa, o poder. Ele é objeto de duas obras de Han. A primeira é intitulada “Hegel e o poder: um ensaio de amabilidade” (Vozes, 2022) e foi publicada na Alemanha em 2005. Hegel, que também é fundamental no pensamento do filósofo esloveno Slavoj Zizek, é o pensador que dá testemunho de uma profunda consciência do poder antes mesmo de Nietzsche, sendo considerado o primeiro filósofo do poder. Este forma uma camada profunda do pensamento hegeliano através da qual Han flui o seu sistema. A obra de Han é uma introdução ao pensamento de Hegel, onde o autor retoma os conceitos básicos de seu pensamento, como mente, Deus, lei, conceito, liberdade, verdade e beleza, em termos da teoria do poder. Essa formação é essencial a Han: os conceitos hegelianos retornaram em suas obras posteriores, atualizados na análise de temas do mundo contemporâneo.
O Poder
A segunda obra, Sobre o Poder (Vozes, 2022), também foi publicada originalmente em 2005 na Alemanha, mas foi uma das últimas obras de sua produção a ser traduzida, tanto em Portugal como na Argentina. Byung-Chul Han produziu muito nos anos 2000, mas levou cerca de vinte anos para chegar ao Brasil. Ele aprofunda neste seu estudo o tema do poder e propõe-se a elaborar um conceito que integre as diversas concepções utilizadas para defini-lo. Han afirma que ao seu redor impera um caos teórico: o poder pode se originar da opressão, do domínio de classe, ser um elemento da comunicação ou uma espécie de árbitro. O poder é associado tanto à liberdade como à coerção. Por isso, Han faz o caminho de análise de seus elementos estruturais internos e suas manifestações. “A característica fundamental do poder é ‘ir além de si mesmo’. Mas ao ir além de si mesmo, o sujeito do poder não vai ser abandonado ou se perder. Ir além de si mesmo – e esta é a maneira pela qual o poder está se movendo – é ao mesmo tempo ir com ele” (Han, p. 56). Retornaremos ao seu argumento adiante.
O aroma do tempo: um ensaio filosófico sobre a arte da demora, foi publicado originalmente na Alemanha em 2007. O projeto iniciado em Sobre o Poder é o de uma análise dos processos marcantes da sociedade atual e o que se segue agora é uma obra que trata da reflexão sobre o tempo, ou sobre a crise temporal de nossa época. Han contraria aqueles que apontam que o mundo sofre um processo de aceleração do tempo para defender que, ao contrário, vivemos uma época de atomização e dispersão temporal. O tempo é vivido sem ritmo, sem rumo, sem significado porque é um tempo dissincrônico. Cada instante é igual ao seguinte. A reflexão atinge inclusive a morte, que surge como um instante a mais, prematuro e sem sentido. O aroma a que se refere o título da obra relaciona-se com a possibilidade de viver o tempo sem teologia ou teleologia, “com aroma próprio”, diz Han que, inspirado em Hannah Arendt, propõe que a vida ativa seja substituída pela vida contemplativa. Nada mais zen. Não se trata de poder, mas de um elemento importante para ele, o tempo.
A Sociedade do Cansaço, publicada originalmente em 2010, foi a primeira obra do autor a chegar ao Brasil em 2015. Publicada pela Editora Vozes, a obra se propõe a descrever a atualidade ocidental como a sociedade do cansaço do título: estamos caminhando para a barbárie porque somos, no sentido de Nietzsche, incapazes de repousar, estamos sempre ativos, inquietos. Byung-Chul Han revigora a interpretação sobre o sujeito do desempenho em oposição ao sujeito da obediência. Enquanto o segundo está determinado pela instância externa que o obriga a trabalhar, o primeiro está livre, isto é, “é senhor e soberano de si mesmo.” Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. O sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho. Essa definição é essencial para criticar o trabalho no universo neoliberal: a partir de agora, vivemos a autoexploração, mais eficiente do que a exploração do outro. “O explorador é ao mesmo tempo o explorado.” Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal”, diz Han. A sociedade do cansaço foi uma das primeiras obras a ser traduzida internacionalmente e que deu ao autor o status de “fenômeno pop”.
A verdade, a imitação e o fake.
Em 2011, publica na Alemanha Shanzai: a arte da falsificação e desconstrução na China. A obra tem uma versão na Argentina pela editora Caja Negra em 2016, e que chega ao Brasil pela Vozes, em 2023 – Han foi primeiro traduzido em espanhol para depois chegar ao Brasil. O título da obra é um neologismo chinês que se refere à apropriação de uma forma ou ideia e que se assume como imitação. Cópia pirata, fake, paródia, o shanzai inicialmente foi o termo aplicado para definir imitações e falsificações de produtos eletrônicos, marcas de roupas, abrangendo todos os terrenos da vida na China. Da arquitetura à comida, estrelas de espetáculo ou políticos, todos podem receber o qualificativo shanzai. Não se trata de meras falsificações baratas: elas têm valor como imitações engenhosas, não pretendem enganar ninguém, inovam, são parte de um processo anônimo de criação de arte. Ele usa o conceito de shanzai para entender alguns problemas do Ocidente que vão da propriedade intelectual ao clone, criticando a noção de autoria e, portanto, de um pensamento que se liberta da ideia de ser e essência.
A Sociedade da Transparência foi publicada originalmente na Alemanha em 2012 e em Lisboa pela Relógio d’Água em 2014, anos antes de sua tradução no Brasil. Aqui Byung-Chul Han critica o tema da transparência presente, por exemplo, no discurso público, nos episódios do Wikileaks, nos partidos e inclusive, nos portais de transparência do serviço público. A crítica de Han está no fato de que a exigência de transparência afeta a concepção de fundação do Estado, que é a confiança. Tema também estudado por Pierre Rosanvallon, a transparência, diz Han, é a prova de que a confiança do cidadão em seu estado desapareceu, de que agora o que se tem é uma sociedade da vigilância e do controle. Fim da singularidade: “a sociedade da transparência é o inferno do igual”, diz Han. A vigilância está no Google, nos diferentes apps que fazem rastreamento de nossa posição, nas redes sociais que se convertem, segundo Han, em nosso novo panóptico – a penitenciária descrita por Michel Foucault em Vigiar e Punir é atualizada nos habitantes do panóptico digital que se sujeitam voluntariamente à transparência. Somos vítimas e atores ao mesmo tempo, finaliza Han.
As obras de Han são naturalmente curtas, mas Agonia de Eros, publicada em 2012, é um dos menores ensaios do autor. Mas não por isso menos importante, já que trata no título, segundo o autor, de um dos traços característicos da sociedade ocidental, uma sociedade em que a dimensão de Eros agoniza. Segundo Han, o motivo é que o capitalismo elimina a alteridade, isto é, elimina a necessidade do eu encontrar-se com o outro. O neoliberalismo encoraja impulsos narcisísticos, gera uma sociedade depressiva, não engendra a fantasia do outro necessária à dimensão de Eros, já que submete tudo ao consumo e à transformação em mercadoria, como por exemplo, com a pornografia. Para o filósofo coreano, “só o amor é capaz de fazer refletir a perspectiva do Eu, de fazer surgir o mundo do ponto de vista do outro, da diferença”.
O tema da morte
O tema da alteridade retorna na obra Morte e alteridade, já citada e que trata da interpretação consciente ou inconsciente da morte em relação consigo mesmo e com os outros. Pode-se interpretar a morte como o fim do ego, como negatividade, pode-se resistir a ela, ou vê-la como um “acúmulo mórbido de poder”, diz. Negar a morte suprime qualquer possibilidade de transformação e o livro é esta relação entre morte, poder, identidade, alteridade e transformação, a partir da leitura de Hegel, Kant, Heidegger, Levinas e Canetti, buscando dar novos significados ao ser e ao outro. Nesse sentido, como Bataille, o erotismo se realiza na “pequena morte” que o ato de amor realiza.
No Enxame foi publicado originalmente na Alemanha em 2013 (há a tradução portuguesa de 2016 pela Editora Relógio D’Água) e trata dos efeitos da revolução digital. Mas especificamente, Han explora como a internet e as redes sociais modificam a sociedade atual para transformar seus integrantes em um “enxame digital”. Este conceito é novo. A ideia é se contrapor às “massas clássicas” estudadas por Marx ou à “maioria silenciosa” proposta por Baudrillard para opor as massas ligadas pela internet a uma imagem à semelhança das abelhas, formadas por indivíduos isolados, sem alma e sem sentimento de “nós” que os façam seguir numa direção. “A hipercomunicação digital destrói o silêncio de que a alma necessita para refletir e para ser ela própria”, diz Han. O mundo digital é um mundo de ruído, sem sentido, sem coerência, impossibilitando a formação de um contrapoder (Rosanvallon) que possa questionar a ordem estabelecida. Por isso, as redes podem incentivar atitudes totalitárias, diz Han. Para o autor, isso significa que estamos superando a era biopolítica prevista por Michel Foucault para adentrarmos noutra época, a era psicopolítica digital, definida por Han como aquela na qual o poder intervém através do universo digital nos processos psicológicos inconscientes: “o psicopoder é mais eficiente que o biopoder”, finaliza Han.
Topologia da Violência foi publicado originalmente em 2013. Nesta obra, Byung-Chul Han aprofunda análises realizadas em obras anteriores, como Sociedade do Cansaço e A Sociedade da Transparência, ao expor as novas formas de violência do capitalismo. A violência mudou, deixou de ser algo visível para ser invisível, se tornou viral e mediada pelos meios de comunicação, diz Han. É uma violência psíquica, expressa-se na depressão que é a reação à “violência negativa” de épocas anteriores, cuja execução era visível e visava à proibição ou dominação do outro. Han denuncia a “violência da positividade”, cuja raiz está no narcisismo da sociedade contemporânea. Não é uma violência exercida no campo de batalha, nem no campo de concentração; pelo contrário, é exercida em “torres de escritórios de vidro, centros comerciais, centros de fitness, estúdios de ioga e clínicas de beleza”.
A crítica à sociedade de desempenho
A violência é promovida pela “sociedade do desempenho”, cujas “máximas não são a obediência, a lei e o cumprimento do dever, mas a liberdade, o prazer e o entretenimento”. Sob a bandeira desses ideais, a “sociedade do desempenho” esforça-se para abolir fronteiras, limites e diferenças. O efeito a longo prazo é “o terror do igual”, a perda de qualquer medida e as doenças do nosso tempo não se devem a um processo de negação, mas à impossibilidade de dizer não: são patologias psíquicas como depressão, déficit de atenção ou hiperatividade. “O sujeito do desempenho compete consigo mesmo e cai na compulsão destrutiva de se superar”, diz Han, o que no campo da política é representado pela dissolução do horizonte de ideais que gera a política do espetáculo.
Psicopolítica foi publicado na Alemanha originalmente em 2014. A obra começa com uma análise da liberdade como projeto frente às novas técnicas de poder do capitalismo que afetam a vida psíquica. A psicopolítica é, para Han, uma técnica de dominação que recorre à sedução, à inteligência, que faz com que todos se submetam por livre vontade à dominação sem consciência, daí sua eficácia. O indivíduo se pensa livre, mas é explorado em sua liberdade. Isso é facilitado por um mundo digital que colhe dados para melhor prever interesses, condicionar o comportamento, outra forma de exercer controle e vigilância. Contra isso, Byung-Chul Han propõe recuperar a “arte da vida”.
A obra seguinte, A salvação do Belo, foi publicada na Alemanha em 2015. Nela emergem em seu pensamento o que Han chama de “excesso de positividade” de nossa época no campo da arte e da cultura. Aqui, o belo define-se como novo objeto de consumo, é a ideia de que o liso, o polido e o impecável expressos na arte e em uma série de mercadorias é a marca de nosso tempo. Ele é visível nas esculturas de Jeff Koons, nos smartphones e na depilação, e a perspectiva foi tratada também por Michel Maffesoli em sua obra Da Leveza (Manole, 2016). Han reflete sobre as superfícies das mercadorias e pergunta: por que gostamos do polido? Sua resposta é que gostamos daquilo que não oferece resistência e que é a característica do belo digital de nosso tempo e que se vê nas imagens da Inteligência Artificial. São mercadorias, imagens e produtos que encarnam o espaço do igual, que não toleram o estranho, o risco, a alteridade. Fim do belo natural, tudo é imediato na arte e nos objetos de consumo, o que também anula a distância contemplativa e a beleza da singularidade. “A beleza não se encontra em um contato imediato.” Acontece como encontro e reconhecimento”, diz.
Pensando na diferença
A expulsão dos diferentes é a obra seguinte publicada na Alemanha em 2016 e que possui uma versão em espanhol pela Editorial Herder, publicada no ano seguinte. É uma reflexão sobre os destinos do Outro, figura do passado, amigo, inferno, mistério e que foi substituído pelo Igual. É uma espécie de alteração patológica do corpo social, proliferação do igual que adoece a sociedade, produto da hipercomunicação, do excesso de informação. A expulsão do distinto, do Outro, do diferente, põe em marcha a depressão, é um fenômeno violento que produz medo. Envolvendo análise de casos de refugiados no capitalismo global, busca recuperar a necessidade de uma paz perpétua, como defendia Kant, recuperando a beleza da hospitalidade. Ainda que o poder esteja permeando muitas de suas obras, apenas em Sobre o Poder, sua análise é detalhada. É desta obra que trata a próxima seção.
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Foto da Capa: Divulgação