Nas últimas décadas, o número de pessoas casadas e solteiras que desenvolveram um amor incondicional pelos animais de estimação, tratando-os como filhos, cresceu exponencialmente. Esses serzinhos são vistos e sentidos pelos seus tutores e pessoas do núcleo familiar, como integrantes da família, inclusive não raro são mais amados do que muitos parentes humanos. Essa nova realidade é tão evidente, que até mesmo o Papa Francisco chegou a reclamar que “muitos casais têm cachorros e gatos no lugar de filhos”.
Esse fenômeno mundial criou um mercado imenso, que engloba clínicas veterinárias, produtos alimentícios, vestuário, estéticas, hotelaria, serviços de treinamento, creches, transporte, terapia comportamental, brinquedos, e uma mega transformação no mundo do direito em diversos países.
Outrossim, a conscientização da importância do bem-estar dos animais, sejam domésticos ou selvagens, foi tão grande que em 1997 foi proclamada a Declaração Universal dos Animais pela Liga Internacional dos Direitos do Animal, posteriormente aprovada pela ONU e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO).
A busca por mais respeito com o mundo animal vem aumentando em várias partes do globo, e muitos países passaram a tratar os animais, em geral, como seres sencientes, palavra cujo significado ainda é ignorado por muitos brasileiros. Um ser é senciente porque tem a capacidade de sentir dor, medo, ansiedade, angústia, sofrimento, tristeza, perceber o meio em que está inserido, e essa característica está presente não só em quase todos os vertebrados, mas até em alguns invertebrados, como, por exemplo, nos polvos e nas lagostas. A senciência é o que lhes permite ter experiências positivas e negativas, é algo muito próximo ou similar a consciência.
No Brasil também ocorreu paulatinamente uma maior proteção jurídica no que concerne aos direitos dos animais, que culminou com o reconhecimento pelas mais altas cortes (STF e STJ) de que os cães e gatos são seres sencientes.
Essas mudanças culturais foram tão intensas que em 2020 foi alterada a lei que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente, aumentando-se a pena pela prática de ato de abuso, maus tratos, dos atos de ferir ou mutilar animais, quando se tratar de cão ou gato, para de dois anos a cinco anos de reclusão, cumulativamente com multa e proibição da guarda.
Como o direito acompanha as constantes mudanças que ocorrem no mundo, nos últimos anos, questões envolvendo animais foram examinadas com muita frequência pelos tribunais brasileiros, e o STJ decidiu que a convenção condominial não pode proibir o direito de guarda dos animais de qualquer espécie nas unidades autônomas quando o animal não apresentar risco à segurança, à saúde e ao sossego.
Embora ainda ocorram discussões, também vem sendo largamente aceito pela jurisprudência o direito de os animais serem transportados nos elevadores, sendo que se houver um elevador de serviço e a proibição na convenção do condomínio for de utilização do elevador social, o morador poderá ser multado se desrespeitar essa cláusula da convenção. Todavia, se não houver elevador de serviço, o animal poderá ser transportado, de preferência no colo do tutor, e se for um animal maior, com a guia e focinheira. Há quem entenda, e eu concordo com esse entendimento, que a proibição dos tutores transportarem seus animais pelos elevadores caracteriza inclusive os crimes de constrangimento ilegal e maus tratos.
A paixão dos brasileiros pelos seus “filhos de 4 patas” é tão grande que isso tem dado muita discussão nas separações dos tutores, com relação à guarda do animal e inclusive ao pagamento de uma pensão alimentícia, uma vez que o custo dos animais não é muito barato e existem despesas com alimentação, vacinas, remédios, veterinários, cirurgias, pet shops, creches, passeadores, transporte e hospedagem, que impactam o bolso de muita gente, ainda mais se o casal tiver adotado mais de um animal.
A este passo vale destacar o posicionamento do ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, do STJ, no sentido de ser devida a pensão alimentícia para os animais de estimação após a dissolução dos casamentos ou uniões estáveis, e que “impõe-se o dever compartilhado de cuidado e de subsistência deste até sua morte ou alienação.”
Claro que algumas pessoas até podem pedir a guarda do animal apenas para pressionar a outra parte a entrar em acordos financeiros, mas a realidade é que na maioria dos casos é porque o humano e o animal têm um amor profundo, cuja ruptura do convívio irá gerar sofrimento enorme para ambos.
Nem sempre ocorrem acordos sobre a guarda, o judiciário com frequência é chamado a decidir sobre quem ficará com o animal de estimação. Na falta de legislação específica sobre o tema, por analogia, são aplicadas as disposições referentes à guarda dos filhos existentes no Código Civil, pois o ser senciente deixa de ser visto pela justiça como coisa, como um mero semovente.
Como se fosse uma criança, cuja guarda é disputada, os juízes irão considerar o direito dos tutores de manterem o animal ou de visitá-lo, a obrigação de vigilância, de proteção, de segurança, e o dever de preservar o seu bem-estar.
Também entará em pauta as condições dos tutores, o envolvimento afetivo de cada um com o animal, a possibilidade de que sejam propiciados os recursos materiais necessários, as condições emocionais e físicas dos humanos, a disponibilidade dos indivíduos para estarem juntos com o pet, para que seja avaliado quem tem condições, e quem poderá lhe dar uma vida melhor.
Tratando-se de crianças e adolescentes normalmente a guarda é unilateral ou compartilhada. Com relação aos pets, ela também pode ser alternada.
A guarda unilateral, como diz o próprio nome, cabe apenas a um dos tutores, sendo mantido o direito de visitação do outro tutor. Essa acaba sendo a melhor solução quando as pessoas não terminam bem, e o convívio fica complicado.
A guarda compartilhada é aquela exercida por ambos os tutores, que decidirão a respeito da vida e das necessidades do pet de forma consensual, e ambos os “pais”, ou melhor, os “humanos”, serão responsáveis econômica e emocionalmente pelo bem-estar do animal. O animal residirá com um deles (casa principal), e o outro tutor terá o direito de visitação.
Normalmente, fica com a guarda quem conseguir comprovar que comprou o animal de estimação, e mesmo nessa modalidade pode ser determinada uma pequena pensão para suas necessidades.
Na prática, não é muito fácil de levar isso adiante quando se trata de cachorros ou gatos, pois diferentemente das crianças que obrigam os pais a se tolerarem para que possam conviver com ambos por muitos e muitos anos, os animais não podem falar o que sentem e chamar a atenção dos humanos. Assim, fica bem mais difícil o funcionamento dessa guarda compartilhada, e mesmo que haja uma boa relação entre eles, com o decorrer do tempo, as vidas seguem caminhos diferentes, vai ocorrendo um distanciamento natural, e um dos humanos acaba assumindo todas as tarefas.
E finalmente temos a possibilidade da guarda alternada, em que o animal ficará determinados dias, meses ou períodos do ano com um dos tutores, intercaladamente. Para cachorros isso até pode funcionar muito bem, mas para os gatos isso é bem complicado, pois essa espécie mantém uma relação muito especial com o local que habita, e pode ter problemas de adaptação.
Mais importante do que conhecer as leis e julgamentos é a conscientização dos humanos que os animais não exigem apenas cuidado, mas muito tempo, atenção, dedicação e recursos econômicos. E quanto mais velhos eles se tornarem maiores serão as despesas com veterinários, clínicas, exames, remédios, cuidadores e tratamentos.
Como descartar e abandonar um animal não é uma opção, que os humanos reflitam muito antes de decidirem pela adoção.
Gosto muito da frase “O único dever do homem é amar”, de Albert Camus. Esse dever se estende não apenas aos seus semelhantes, ao seu trabalho, à vida, mas também à natureza, ao meio ambiente, e aos animais em geral, até mesmo para aqueles criados para abate, que deveriam ter a sua breve existência com um mínimo de bem-estar.
Quanto aos nossos filhos de quatro patas, merecem receber um amor igual ao que eles nos dão, e muita gratidão por nos mostrarem todos os dias o que é realmente um amor puro, incondicional.