Desde o último grande desfile da Sociedade Armorial Patafísica Rusticana O Pacotão, no carnaval brasiliense de 1984, ninguém tinha encontrado Charles Preto, Ditador Vitalício e Plenipotenciário daquela organização, mantenedora do grupo momesco (ainda não tem um anglicismo para isso) que debochava – já a partir do nome – dos indisfarçados ditadores ocupantes do Palácio do Planalto.
Eu digo ninguém tinha visto, porque no sábado, 14 deste dezembro, passadas quatro décadas do memorável carnaval das Diretas Já, um ex-pacoteiro, como eram conhecidos os integrantes do bloco, contemporâneo do Charles, hoje aposentado e morando nas vizinhanças da Vila Militar, no Rio de Janeiro, flagrou o velho líder – apoiado no ombro do neto – na frente do quartel da 1ª Divisão do Exército portando um cartaz com a frase:
Cai na real, general!
Por celular e sob a condição de anonimato, o pacoteiro pôs Charles em contato com a coluna. Antes de narrar nossa conversa, abro parênteses:
“Cai na real general” é o título da marcha do Pacotão no carnaval de 1984, ano em que o Brasil inteiro viu frustrada, pela força ditadura militar acomodada no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional, a campanha pela volta das eleições diretas. De autoria de Haroldinho de Santo Amaro, a música diz assim:
Não adianta mais enrolar,
é agora, tá na hora, vamos lá,
ninguém me segura,
sai da minha frente,
eu este ano
vou votar pra presidente.
Chega de conversa mole,
Ninguém engole
O tal colégio eleitoral
Cai na real general.
Pois no sábado, 14 de dezembro de 2024, o coro de milhares de vozes cantando a marcha do Haroldinho deve ter ecoado nos ouvidos do general Walter Braga Netto. Acusado de comandar a tropa que planejava um golpe para impedir a posse de Lula, o estrelado ex-ministro, ex-candidato a vice de Jair Bolsonaro e, sabe-se agora, aspirante a ditador, foi preso pela Polícia Federal e levado para uma cela no quartel da 1ª Divisão do Exército. Charles Preto foi dar-lhe as boas-vindas…
Charles, perguntei: o que o levou a sair de seu autoexílio, aliás, onde é seu autoexílio? “Não me pergunte onde eu vivo. Como disse Luiz Melodia, eu estou por aí… Sobre essa vinda até aqui, hoje, eu digo que foi pra reafirmar e, quem sabe, atualizar os versos do Haroldinho de Santo Amaro. Cai na real, general, sai da minha frente. Agora é pra sempre que a gente vai votar pra presidente”, respondeu.
Antes que eu fizesse mais uma pergunta, Charles seguiu falando, como se estivesse numa reunião de pintura das faixas para o desfile do Pacotão: “Esse bloco descompassado e desafinado da extrema direita, que ainda insiste em desfilar cantando fake news, batucando intolerância e replicando retrocessos, não pode ter mais espaço na avenida da democracia…”
“Agora”, continuou Charles, “nossos carnavais são de samba-enredo e marchinha. Então, cai na real, general, não vem com ordem unida nem põe corda em nosso bloco…Afinal, como cantou João Bosco, não dá ordem ao pessoal, não traz lema nem divisa, que a gente não precisa que organizem nosso carnaval…”
Quando resolveu encerrar nossa conversa, Charles Preto pediu que a coluna compartilhasse um convite:
Se os caros extremistas da direita quiserem participar do nosso carnaval da liberdade, que troquem seus coturnos por sandálias, suas espadas por repiniques… Ah! E não digam que estou politizando o carnaval. Não há manifestação política mais forte do que o extravasar da alegria de cantar a liberdade de mãos dadas em todos os salões e avenidas deste Brasil de eleições diretas para sempre.
Nota: este texto, como todos já devem ter notado, embora trate de fatos verdadeiros, como a prisão do general Braga Netto e da existência do Pacotão, irreverente bloco que desfilou nos carnavais de Brasília desde 1978, contém um pouco de ficção. E é pretensioso. Afinal, nunca ninguém teve uma conversa com Charles Preto que não fosse off the record.
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Foto da Capa: reprodução das Redes Sociais