“Defender do que exatamente? Qual o perigo que ele corre?” Estas perguntas foram feitas, quando postei o convite, em um dos inúmeros grupos de WhatsApp, para o lançamento da Frente Parlamentar em defesa do Cais do Porto, em Porto Alegre, que aconteceu agora, no dia 17 de abril, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Isso me fez perceber o quanto a questão do projeto do cais está longe da população e as diferentes leituras que o assunto suscita, a partir de duas diferentes interpretações possíveis das perguntas formuladas.
O caminho passa pela contextualização. Se o grupo é de diferentes pessoas, cujos interesses navegam entre assuntos corriqueiros, o desconhecimento é um indicativo de que o cais está longe do cotidiano delas e, logo, não sabem muito além do fato de que o local está, há anos, abandonado.
Por outro lado, se o grupo é formado por profissionais que têm, de alguma forma, ligação com o urbanismo, há menos desinformação e mais diferença de ponto de vista em relação àqueles que demandaram essa frente para tão importante tema para a cidade. Em ambos os casos, a presença em eventos que debatem o assunto é fundamental.
Respondi a perguntas, chamando a atenção sobre a grande degradação atual dos armazéns, da necessidade de que o cais permaneça público e de acesso universal, sobre a sua vocação para sediar atividades e eventos culturais, considerando que esse lugar faz parte da identidade de Porto Alegre e foi onde ela começou como cidade.
Já em 2010, os perigos que pairavam sobre o cais eram apontados e acabaram por se confirmar. Mais de uma década depois, a necessidade da participação da população para definir o destino daquele ícone permanece e as atividades que serão ali estabelecidas ditarão a personalidade do lugar, afastando-a de sua história, e tornando o cais um produto pasteurizado, ou destacando-a, traduzindo aquilo que nos torna únicos.
E para não dizer que a sociedade civil é apenas reativa, existem diretrizes para a ocupação cultural dos armazéns, elaboradas por um grupo de extensão da UFRGS em conjunto com a comunidade cultural. O que essa proposta oferece é transformar o conjunto de armazéns e pórtico em uma referência nacional, no sentido da produção, fruição e a divulgação dos diferentes segmentos da arte e cultura.
Seu caráter integrador é baseado na construção de um polo cultural, economicamente diversificado e criativo, mas que não se limita apenas às expressões artísticas. Envolve também os aspectos culturais que perpassam a estrutura social brasileira e suas respectivas formas de expressar as identidades culturais. Tem como linhas de atuação proporcionar diversificação econômica e de usos dos espaços, promover inclusão e oportunidade de agentes econômicos de pequeno porte e voltados para o consumo de baixo e médio poder aquisitivo e valorizar a cultura e a economia solidária e criativa da cidade. Para arrematar, traz uma proposta inovadora de gestão compartilhada.
Se vocês ficaram curiosos, visitem a página da proposta e, acima de tudo, participem ativamente desse processo, garantindo assim a construção democrática de seu uso e a manutenção das características do cais, que constitui a paisagem cultural típica de Porto Alegre.
*Jacqueline Custódio é advogada, integrante da AMACAIS – Associação dos Amigos do Cais do Porto, Coletivo Cais Cultural Já e do spin Arquitetura e Urbanismo (POA Inquieta).