Que a palavra tem força já sabemos faz tempo. Beleza escrita e sonora fazem parte da composição dessa mesma força. Afinal, com esses atributos, a palavra pode estimular ou aniquilar o interesse por qualquer ideia, ou substância. Já soube de casos em que a pessoa evitava provar rabanete, porque o nome lhe desagradava muito.
Como muitas crianças que não provavam rabanete, mas que um dia se renderam, fui acostumada a procurar no céu noturno, além do Cruzeiro do Sul, as Três Marias. Essa constelação é conhecida, ademais, como Cinturão de Órion e até hoje tem me ajudado também a perceber quando é a hora de revisar os óculos. Soma-se ao grupo das Três Marias uma das minhas plantas preferidas cujo nome oficial é bougainvillea – e que, aliás, bomba na primavera. Dizem dela “três marias”, porque ela tem três flores brancas centrais envoltas por três folhas coloridas mais próximas à flor.
Bem mais à esquerda do Tratado de Tordesilhas, essa mesma planta tem o nome de uma santa que mencionei em outro texto, a Santa Rita, mas eu gosto mesmo é de Marias. Acredito que este é um nome presente na vida de muita gente; muita mesmo. Não me atrevo a mexer com estatística, mas fica a ideia para quem pode. Vou preferir ir para o plano afetivo, no qual posso dar um testemunho, o meu. Enfim, era o nome de uma de minhas bonecas preferidas – informação que uma psicanalista sabe que não é anódina. Igualmente, sempre gostei de adicionar Maria ao nome das meninas e mulheres que me interessavam. Na infância, “Priscilla Maria”, tampouco me ofendia os ouvidos, ainda que fictício. Outra coisa era colocar o nome Maria na frente e, quem sabe, dizer impropérios, tipo Maria vai com as outras e outras bobagens que faziam com o pobre nome. E, não sem surpresa, encontrei Marias sem nomes compostos, mas “apenas” como dizia uma boa amiga com esse nome. A verdade é que não é fácil ser uma Maria. Lembram da canção Maria, Maria de Milton, né?
Muitas Marias parecem fazer jus à canção de Milton Nascimento, mais do que deveriam. Essa canção eternizada em tantas vozes femininas maravilhosas que reiteraram a sofrência habitual das Marias que precisam ter força, raça, fé na vida e etc. Também há Marias um pouco mais enigmáticas, ainda que farinhando o pão, como a Maria de Verdade, de Carlinhos Brown, que conhecemos na voz de Mari(s)a Monte.
Nossa candidata à prefeita de Porto Alegre parece uma Maria que foge ao estereótipo etéreo, anônimo ou de aceitação infinita do sofrimento. Com um viés mais combativo, Maria do Rosário, sofre rechaço por parte dos porto-alegrenses por sua atuação pela defesa dos direitos humanos. Coisa já conhecida, ainda que triste. O bolsonarismo ativo acirrou mais ainda essa condição fazendo da campanha de Maria, mais do que um rosário a ser rezado, um calvário. Por outro lado, é chamativo como seus próprios votantes demonstram pouco entusiasmo no engajamento na campanha de Maria.
Há um lugar recôndito no campo progressista, pero no mucho, em que a misoginia e o racismo – a vice Tamires é uma mulher negra – estão bem ativos. Então, a cidade de Porto Alegre, que já foi crucial na Campanha da Legalidade, que já foi sede do Fórum Social Mundial, poderá ter sua primeira prefeita? Poderá ter a sua primeira Maria?
Foto da Capa: Pixabay
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