É de conhecimento amplo que a educação é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de qualquer sociedade. No contexto da população negra, ela ganha uma dimensão ainda mais crucial, funcionando como um verdadeiro instrumento de empoderamento e transformação social.
A história nos mostra que a exclusão educacional foi uma das muitas formas de opressão enfrentadas pela população negra ao longo dos séculos. No entanto, o acesso à educação de qualidade no Brasil pode ter o poder de reverter esse quadro, promovendo igualdade de oportunidades e inclusão.
A educação e a formação profissional não são apenas ferramentas de aprendizado, mas também poderosos instrumentos de justiça social. Elas oferecem à população negra a oportunidade de romper com ciclos históricos de exclusão e marginalização, proporcionando os meios necessários para alcançar uma autonomia econômica e social.
Programas de inclusão educacional, como o sistema de cotas raciais e o ProUni, por exemplo, têm desempenhado um papel essencial nesta evolução. Esses programas não apenas aumentam o acesso ao ensino superior, mas também contribuem para a construção de uma sociedade mais equitativa, onde as oportunidades são distribuídas de maneira mais justa.
Porém, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a presença de estudantes negros no ensino superior voltou a diminuir em comparação com anos anteriores. Em 2022, 48,3% dos estudantes, somando as universidades públicas e privadas, eram pretos ou pardos, uma redução que deve acender um sinal de alerta frente ao cenário crescente vivenciado até os 49% da pesquisa de 2019.
Importante destacar que os efeitos da pandemia (Covid-19) foram críticos neste período e possuem influência sobre estes dados, mas como o racismo não dorme, precisamos estar sempre atentos a qualquer sinal de retrocesso.
Por outro lado, o Ministério da Educação (MEC) relatou, em 2023, que a taxa de conclusão de cursos superiores entre estudantes negros aumentou em 18% desde 2019, evidenciando o impacto positivo das políticas afirmativas.
Metodologias e tecnologias adequadas
Para que o protagonismo negro na educação seja efetivo, é essencial que as metodologias de ensino sejam inclusivas e respeitem a diversidade cultural e histórica da população negra. A abordagem pedagógica precisa valorizar a história afro-brasileira e africana, reconhecendo a contribuição dos povos negros na construção da sociedade brasileira.
Esta é uma construção que deve iniciar desde o ensino básico, mas como esta é uma questão bastante ampla e não é o foco deste texto, já que precisaríamos incluir outras diversas perspectivas para uma análise mais completa, vamos priorizar aqui os aspectos diretamente relacionados à formação profissional.
Neste cenário, a utilização de tecnologias educacionais também desempenha um papel vital. Plataformas de ensino a distância (EAD), por exemplo, podem ser ferramentas poderosas para democratizar o acesso ao conhecimento, especialmente em regiões onde a oferta de educação presencial é limitada.
Durante a pandemia de Covid-19, a falta de infraestrutura adequada para o ensino a distância afetou desproporcionalmente estudantes negros e pardos. Segundo o IBGE, em novembro de 2020, 13,5% dos estudantes pretos e 15,2% dos pardos entre 6 e 17 anos não tiveram aulas presenciais e não receberam atividades escolares, em comparação com 6,8% dos estudantes brancos.
Programas de inclusão digital podem e devem ajudar a reduzir a disparidade tecnológica e garantir que estudantes e profissionais negros tenham acesso às mesmas oportunidades de aprendizagem que os demais.
Mas a pergunta que deixo para reflexão é: até que ponto a conectividade e o letramento digital no Brasil são abrangentes o suficiente para que essa visão de inclusão digital e tecnológica desenvolva sua potência na prática?
Formação profissional e o empoderamento no mundo do trabalho
A formação profissional é outro aspecto crucial do empoderamento da população negra, já que programas de capacitação e qualificação profissional específicos para jovens negros podem abrir portas para o mercado de trabalho e garantir que ocupem posições de destaque em diversas áreas, inclusive colocando suas próprias ideias em ação por meio do empreendedorismo.
Esses programas não apenas fornecem habilidades técnicas, mas também fortalecem a autoconfiança e a autoestima das pessoas participantes, essenciais para enfrentar os desafios do mercado de trabalho e da desigualdade racial existentes em nosso país.
Dados de 2023 mostram que a participação de estudantes pretos ou pardos em programas de pós-graduação ainda é desproporcionalmente baixa, com apenas 30% das vagas ocupadas por pessoas negras.
Ao observar as remunerações praticadas no Brasil, a disparidade é enorme. Pessoas brancas ganham 64,2% a mais que pessoas pretas ou pardas, de acordo com pesquisa realizada pelo IBGE (2023).
Neste sentido, organizações como o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), o Movimento pela Equidade Racial (MOVER), o Pacto de Promoção da Equidade Racial e o Baobá – Fundo para Equidade Racial têm desenvolvido projetos voltados para a formação e o desenvolvimento profissional de pessoas negras.
Essas iniciativas incluem desde programas de formação e mentoria até bolsas de estudos de idiomas ou especializações. Tudo isso associado a oportunidades de trabalho em grandes empresas, considerando desde estágios à posições de liderança, proporcionando uma preparação mais sólida para o mundo de trabalho e ampliando o arco de possibilidades reais de ascensão para pessoas negras.
Por outro lado, propostas como a da Odabá Afroempreendedorismo e da Feira Preta, entre outras que impulsionam o afroempreendedorismo pelo país, são catalisadoras da potência a ser desenvolvida pela população negra, para que seus próprios negócios ampliem suas estruturas e aumentem os seus faturamentos, criando um ciclo virtuoso, em que oportunidades para outros profissionais sejam geradas, retroalimentando o sistema e estabelecendo maior empoderamento econômico para a comunidade negra brasileira.
O poder público também tem desenvolvido algumas ações com esse viés, tendo como ponto focal o Ministério da Igualdade Racial com projetos e ações específicas, como o Hub Igualdade Racial, que apresenta informações e evidências relacionadas a cor e raça, considerando pilares como: saúde, educação, trabalho, desenvolvimento social, entre outros.
A mudança deste contexto passa por uma construção coletiva em que todos os agentes devem estar imbuídos de um objetivo comum, independente se iniciativas públicas, privadas ou do terceiro setor, a integração de informações, indicadores e metas pode estabelecer um processo de evolução gradual dos aspectos educacionais, de empregabilidade e protagonismo de pessoas negras no país, o qual já vêm sendo realizado lentamente, mas que precisa de uma aceleração urgente.
O protagonismo negro na educação e no mundo do trabalho é uma realidade que deve se consolidar cada vez mais. Através de políticas públicas, metodologias inclusivas e o uso adequado da tecnologia, é possível promover maior igualdade de oportunidades e garantir que a população negra ocupe seu lugar de direito na sociedade.
Ao valorizar a história, a cultura e a contribuição dos povos negros nos processos de educação e formação profissional, construímos uma sociedade mais justa, igualitária e rica em diversidade.
Promover a inclusão e a justiça social por meio da educação não é apenas uma questão de direitos, mas uma necessidade de reparação histórica para o desenvolvimento sustentável de todo o país.
*Ezequiel Alves é graduado em Comunicação Social, com MBA em Gestão de Projetos, designer de aprendizagem e associado da Odabá – Associação de Afroempreendedorismo.
Fontes
IBGE - Desigualdades Sociais por Cor ou Raça
Agência de Notícias IBGE
IBGE - Educa
CNN Brasil
Ministério da Igualdade Racial
Foto da Capa: Pexels / cottonbro studio
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