Como afirmou Jorge Luis Borges no seu livro Arte Poética, cantar e contar já estiveram juntos. A poesia épica grega narrava em versos.
Depois, com o tempo, a narrativa firmou-se na prosa, na história contada em frases, nos contos e romances. A poesia lírica tomou conta da ideia mesmo que se tem do próprio gênero poético.
Tanto que, hoje, quando estamos diante de um livro de poesia, não esperamos encontrar uma narrativa com personagens, história, enredo. Temos uma expectativa de ler algo mais próximo do dizer algo sobre um assunto, da filosofia breve, da confissão ou mesmo do próprio deleite com as palavras.
As radicalizações da poesia concreta levaram o poema para, em alguns casos, ser realizado com uma única palavra. O poema visual, o haicai, a brevidade, tudo isso contribuiu para dissociar a ideia de poesia da ideia de contar em versos uma história.
No entanto, durante toda a trajetória do gênero poético, há narrativas em versos que vão muito além do poema épico. Donald Schuller, no seu livro A literatura grega, discorre sobre as fases da literatura e do pensamento gregos. No princípio, a literatura grega trata dos deuses. Em versos, Hesíodo, na Teogonia, apresenta todas as relações entre os diferentes deuses gregos. Na poesia épica, também em versos, os humanos, ajudados pelos deuses, fazem suas conquistas, como Ulisses na Odisseia de Homero. Na poesia dramática, os textos para serem encenados, com as falas todas em versos, os humanos se reconhecem como tais na medida em que se separam dos deuses. Prometeu Acorrentado é um exemplo nesse sentido. Na poesia lírica, também em versos, fala-se do mundo não mais a partir da relação com os deuses, mas a partir do olhar do próprio ser humano.
Essas narrativas do humano prosseguem em versos. Nas canções dos trovadores provençais na Idade Média, na poesia romântica, em Edgar Allan Poe, em breves tomadas cinematográficas de Oswald de Andrade, em lendas colhidas por Mario de Andrade, no Romanceiro da Inconfidência da Cecília Meireles, no Poema Sujo de Ferreira Gullar, para citar alguns exemplos.
Não são mais, em grande parte dos casos, a narrativa épica. Estão entremeadas na poesia lírica, como uma das possibilidades criativas.
Em Drummond, desde o Alguma Poesia, seu primeiro livro, breves narrativas estão presentes, como em Infância, por exemplo. Os poemas memorialistas de Boitempo também estão recheados de narrativas. No livro A Rosa do Povo, há uma sequência de poemas em que o poeta experimenta o alargamento discursivo que contar uma história permite.
Na literatura de cordel, nos causos em versos, em algumas letras de música popular, de Eduardo e Mônica de Renato Russo aos episódios do rap de Racionais MC’s, contar e cantar seguem juntos.