Diante de tempos exacerbados, carregados por atitudes cotidianas chocantes, boas memórias e atitudes saudáveis alimentam a esperança, ensinam e estimulam. É o que faz o baiano Clarindo Silva de Jesus em “Memórias da Cantina da Lua” (2024, 7ª edição), livro que mostra sabedoria, determinação e sensibilidade. Por conta do trabalho que realizou, fez do seu restaurante, reconhecido e muito bem frequentado, um lugar de amigos, encontros, boas conversas e resistência. Assim, expandiu seu conhecimento, empatia e o amor pelo Pelourinho, tornando-se um defensor da preservação do patrimônio.
Entre os 29 depoimentos que integram a sétima edição do livro, encontrei expressões e frases que definem Clarindo como “Quixote do Pelourinho”, “Ícone de resistência”, “Signo de esperança”, “Exemplo de perseverança”, “Sua negra figura esguia paramentada de brancura é fina grandeza, pura delicadeza. Bravura e brandura”. O jornalista James Martins diz que a Cantina “é a embaixada do Centro Histórico” e Clarindo “o guardião”.
Porta principal de entrada para o Largo do Pelourinho, a Cantina da Lua é um restaurante localizado no Terreiro de Jesus, que Clarindo assumiu em 1971 e transformou em um espaço de todo mundo – dos trabalhadores do cotidiano, das pessoas que passavam pela rua, dos empresários, das celebridades e dos turistas ávidos por conhecer um lugar tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade – pessoas que recebia com carinho e atenção. Um lugar “de luta, fé e resistência”, como ele mesmo define com orgulho. Figura rara, atenta ao que acontecia na sua volta, foi um dos pioneiros na busca pela preservação do Pelourinho, que registrou episódios significativos da história do Brasil, passando pelos abusos dos colonizadores e pela cruel escravidão dos negros trazidos da África.
Eliane Dourado Bina, pedagoga e museóloga, diretora do Museu Eugênio Teixeira Leal, de Salvador, diz na contracapa do livro que “o amor de Clarindo pelo Pelourinho começou ainda na década de 1950, quando nada mais era que um garoto que brincava em ruas e vielas calçadas com pedras cabeça-de-nego, à sombra de casarões coloniais, na época em avançado estágio de degradação física”. Um garoto que começou a trabalhar com 12 anos e não parou mais. Sua trajetória é marcada pela determinação, acompanhada de um sorriso luminoso e rara sensibilidade. Zé de Jesus Barreto, jornalista e escrevinhador, diz no texto que assina na orelha do livro que “Ler sobre Clarindo e sua Cantina da Lua é viajar no tempo, conhecer um pedaço da Bahia que… Bem, comecem a ler. Vale a pena!”.
Comecei! E li com muita emoção o livro que Clarindo me enviou.
Muito frequentei a Cantina da Lua nas minhas tantas férias em Salvador. Na dedicatória que escreveu, ele faz uma referência linda ao meu livro ‘E fomos ser gauche na vida’: – “Só a apresentação de Luana* me deixou emocionado, pois parece que sua história se confunde com a minha”. E se confunde, sim, porque somos resistência. No final da leitura, encontrei uma frase que sintetiza a sabedoria de um cidadão comum que entendeu como poucos o valor da vida cotidiana para além dos nossos quintais, participando e olhando para a história brasileira, para o que nos coloca no mundo, para os nossos compromissos e desejos, para as nossas responsabilidades e para a importância da preservação que integra passado, presente e futuro.
“O povo que não preserva o seu passado não vive o presente e jamais poderá construir um grande futuro.”
…
*Luana Dalzotto de Castro Alves assina a primeira orelha do meu livro. Filha de José Walter de Castro Alves/Zé/Banzé, um grande amigo, que muito contribuiu com a minha escrita, e de Kixi Dalzotto, prima-irmã, amiga e parceira de todas as horas. E mãe de Joaquim e Flora, luzes que iluminam nosso cotidiano.
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Foto da capa: Divulgação