Trajando um hábito de freira, preto e curto, que realçava suas belas e torneadas pernas, a jovem dançava e pulava em meio à multidão que se comprimia nas estreitas ruas de Olinda. Seu carisma a tornava irresistível, como diziam os amigos, destacando-a entre os foliões nos Quatro Cantos, principal corredor da folia.
Na íngreme Ladeira da Misericórdia, ela correu em direção a um rapaz que vestia apenas uma sunga de praia encarnada e uma longa capa preta. Além do corpo escultural, chamavam a atenção os pequenos chifres vermelhos que completavam sua fantasia. Para a apimentada freira, aquele homem não era apenas uma tentação — era o próprio demônio em carne e osso.
Desinibida, ajoelhou-se a seus pés e, em um gesto de súplica maliciosa, pediu que a levasse para o inferno junto consigo. Ele sorriu e a beijou calorosamente, para, em frações de segundo, seguir caminho oposto. Era apenas carnaval! Nada mais que isso, pensou a jovem, encantada.
Horas depois, ela o reencontrou no Mercado da Ribeira, antigo centro comercial onde, séculos atrás, vendiam-se negros escravizados, cruelmente traficados do continente africano. Para a jovem, foi assombroso pensar que, um século e meio antes, poderia ela mesma estar sendo trocada por moedas, vendida como um bicho. Sua ancestralidade pesou naquele momento, e, por um instante, sentiu-se desconfortável diante do homem que, em outra época, poderia ter sido um senhor cruel e perverso.
Rapidamente, afastou tais pensamentos. Aqueles eram outros tempos, e ela estava ali para se divertir, não para tecer elucubrações históricas e científicas que tanto caracterizavam sua prática profissional e ideológica. Havia um belo homem à sua frente, e ela queria beijá-lo novamente. O sorriso encantador do diabo a deixava ainda mais enfeitiçada. Mas, contrariada, teve que se separar dele quando foram levados por blocos carnavalescos de trajetos distintos.
Sorte ou destino, ao final da tarde, um novo reencontro. Atrevida, a maliciosa freira sussurrou ao ouvido do receptivo sujeito:
— Segundo a tradição local, encontrar a mesma pessoa três vezes seguidas no mesmo dia significa que permaneceremos juntos pelo resto da vida.
O belo diabo sorriu e a acolheu em seus braços. Juntos, rodopiaram entre desconhecidos que também se abraçavam e se beijavam sem censuras ou compromissos. Eram encontros de carnaval, brincadeiras sem maiores consequências. Talvez paliativos para a solidão que se sente mesmo em meio à multidão.
Mais uma vez, afastou as reflexões intrusas e, como num passe de mágica, o dia fez-se noite. Defronte à Igreja Matriz, na Praça do Carmo, ela voltou a se ajoelhar perante o anjo decaído de estonteantes olhos azuis.
— Diante do altar sagrado, entrego minha alma ao mais belo príncipe das trevas!
— Oferta aceita. Sua alma agora me pertence!
E assim foi selado o improvável e fantasioso enlace amoroso entre a religiosa e Satanás. Enfeitiçada, a jovem dançou freneticamente ao som das antigas orquestras de frevo. Supostamente apaixonados, cantaram e dançaram livres, despertando olhares e desejos. Enquanto alguns admiradores se ofereciam às carícias do casal, outros apenas suspiravam, entregando-se a beijos efêmeros antes de serem dispensados sem cerimônia.
A jovem se considerava independente e liberta, à frente de seu tempo e de espírito aventureiro. Dizia-se dona do próprio destino e constantemente afirmava que conheceria centenas de pessoas antes de se entregar verdadeiramente ao amor. Seu desejo era explorar o mundo. Tinha ideais políticos e filosóficos que, supunha, deveriam também fascinar aquele homem irresistível, adepto do amor livre.
— O amor liberta o espírito; somente aos fracos aprisiona — justificava-se entre os foliões.
Por cinco dias, perambulou abraçada ao demônio por ruas, esquinas e becos desconhecidos, como uma adolescente inconsequente. Durante as noites, dormiam abraçados e exaustos; ao amanhecer, entregavam-se novamente às esbórnias e permissividades próprias dos profanos. Ela já não se reconhecia.
Agora, parada no tempo, refletia sobre como a vida às vezes se fazia ingrata e capciosa, iludindo, enganando, traçando caminhos que uniam e afastavam pessoas, cruzando e entrecruzando destinos. Aqueles eram os grandes e misteriosos desígnios da existência.
E, assim, foi assolada por um pensamento tortuoso: teria encontrado, afinal, seu príncipe encantado? Aquele homem, que tanto embalava seus sonhos e que comungaria de seus ideais, desejos e anseios até a eternidade?
Pretensiosa e ingênua, ela se dava conta do quanto se acostumara a mentir para si mesma. Percebia-se perdida no próprio vazio, sepultando o fracasso de sua existência.
Presa sob as garras de um ser imaginário, lamentou o fim. Sentia-se solitária e cansada, numa vivência sem perspectivas. Queria um motivo, um argumento, uma justificativa ao menos para prolongar aquele desvario.
A quaresma chegara, e a penitência seria o próximo passo rumo à renovação espiritual. Completamente resignada, olhou pelas janelas e contemplou as estrelas cintilantes. Seriam elas as únicas testemunhas de seu óbito? Não era para isso que servia o demônio?
Foi nesse raro momento de lucidez que atentou para o que realmente acontecia.
— Tranquila. Em breve estará tudo bem — disse o homem de olhos azuis, em tom de conforto.
Para a jovem, foi impressionante a serenidade com que ele transmitia compaixão genuína. Com esforço, abriu as pálpebras, agora embaçadas pelas lágrimas.
— Diante do altar sagrado, entrego-te minha alma!
— Você não esqueceu…
— Não esqueço promessas.
— Entreguei minha alma ao mais belo dos demônios…
— E, por isso, vim pessoalmente buscá-la.
Soluçando, revelou uma espécie de felicidade débil ao declarar seu consentimento. Estranhamente, sentia-se tranquila e certa de seu ato. Sorrindo, como que presa a um tempo distante, correspondeu ao beijo meigo e afetuoso do homem que a assassinaria.
Não havia medo. Apenas paixão.
Seus lábios arderam, umedecidos por lágrimas que, descontroladas, pareciam trair aqueles exorbitantes olhos azuis.
Então, ao sentir a pressão firme sobre seu rosto, não reagiu. Deixou-se partir.
O badalar dos sinos misturou-se ao som das orquestras de frevo, e a bela freira bronzeada voltou a correr pelas ladeiras de Olinda. O garboso demônio rodopiava ao seu redor. Ela sorriu e o abraçou forte. Pela primeira vez, sentia-se verdadeiramente amada.
Enquanto isso, no mundo real, amigos batiam à porta da jovem foliã. Seu corpo foi encontrado gelado e pálido sobre a cama. Nenhum sinal de violência, agressão ou luta. Nenhum arrombamento. Nenhuma companhia.
E, pelas câmeras de segurança, confirmou-se apenas uma única e irreversível verdade: durante todas as noites do carnaval, a jovem voltou para casa sozinha.
Epitacio Nunes de Souza Neto é psicólogo, psicoterapeuta e professor universitário. Possui doutorado em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorado em Psicologia pela Universidad del Salvador (USAL) de Buenos Aires, Argentina. Possui também mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Todos os textos da Zona Livre estão AQUI.
Foto da Capa: Prefeitura de Olinda