O ano velho termina no carnaval: estou plenamente convencido disto.
Na contramão do que se diz em todo canto, para mim, a Festa de Momo não marca o início de nada, mas o término cabal.
Explico…
Ninguém, ou muito pouca gente, termina um casamento complicado, um noivado arrastado ou um namoro sem sal (e pimenta), nas festas de Fim de Ano: tem aquela coisa de família, tem as confras com os amigos, tem aquela vontade profunda de que, no ano que se inicia, as mazelas findem…
Mas, aí… Terminam as grandes farras, aqueles primos voltam à condição de personagens numa foto antiga, aquelas amizades se acinzentam no cotidiano coleguismo de trabalho. A abertura do novo calendário não fechará nada que estava escancarado em nossos sentimentos.
As primeiras semanas de janeiro se mexem num ensolarado vazio de estudantes nas ruas, dando a impressão de que a vida que se levava também se aquietou. Porém, duas dúzias de dias após o Dia dos Reis, a convivência reivindica sua realidade plebeia. E, no dia de Iemanjá, só se deseja que a rainha do mar afunde lá nas profundezas a barca que há muito já vem vazando água.
Raras pessoas largam um fardo sufocante nas vésperas natalinas: há sempre alguma quimera fraternal, há sempre algum recesso nos litígios e, em alguns felizes casos, tem até o sorteio de cestas de iguarias que jamais nos disponibilizaríamos a pagar por elas (quem de sã consciência compra um toblerone?).
Porém, findo o feriadão, recomeçam os diazinhos… Consumado o período de fidelização da equipe de “colaboradores”, as tarefas pausadas gritam suas urgências: a carga duplica-se sobre a canga. E, o primeiro mês da dúzia que compõe um ano, condena como se fosse uma década.
O mês de Reis ainda ilude a esperança engordada por panetones e cidras. Todavia, entrando fevereiro, o pão dormido de cada dia acorda todos os desalentos.
Daí… Chega o Carnaval.
O descontrato dos desejos aflorados enterra qualquer dúvida ou receio acerca de que não se deve carregar nas costas o que por si não anda. O complicado é abandonado pela facilidade do querer renovado. O que era arrastado tem seu fim ao despencar-se, olindamente, de ladeira abaixo. O que era sem sal e tempero desaparece no fervor de outros gostos.
O mundo em festa mundana fere de morte qualquer acomodação ao esgotamento e à tristeza. As bodas da carne devoram qualquer racional vontade de roer os ossos do ofício que seja.
No carnaval, se passa a régua, se faz as contas, se fecha o balanço, se manda ver se estamos na esquina.
O carnaval não é a celebração do “te perdoo” ou do “deixa disso”. O carnaval é a comemoração do que arrematamos. É o festejar o chute no balde!
Todos os textos de André Fersil estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA